Na fila da cadeira elétrica

De uma hora pra outra, as leis mudam completamente e o Brasil começa a usar a famosa, nem tão agradável, cadeira elétrica como forma de punição. Veja como as coisas são, aconteceu isso daí.

É São Paulo, segunda feira, cinco da manhã e a fila para sentar na cadeira já é grande. Muitos criminosos com seus respectivos agentes da lei ao lado, muitos curiosos e outros transeuntes que só estavam passando por ali mesmo e resolveram entrar na fila. Afinal, até injeção na testa, de graça, presta.

A fritação começa às sete horas, mas como no dia anterior a cadeira “deu defeito” segundo um funcionário público triste e cansado, acumulou-se muita gente para o dia posterior. Sabe como é. Povo deixa tudo pra morrer de última hora, ai fica essa zona.

Os burburinhos começaram logo após cinco minutos de espera:

– Olha, terceiro dia que venho aqui, quero ver se de hoje não passa. Se quebrar de novo vou procurar meus direitos – dizia uma senhora, segurando uma bolsa vermelha e com cabelos loiros mais artificiais que Ki-suco de uva.

Logo atrás dela, estava Salvador Silva. Um latrocida, omicida, patricida e filho da dona Cida. Preso e condenado por inúmeros crimes, inclusive o de derrubar um avião com um lança granadas. Quieto ele não conseguia ficar:

– Grr, é hoje que eu mato essa cadeira – disse, espumando pela boca e contido de forma fofinha pelo policial.

Em outro lugar da fila, estava uma pessoa curiosa. Um homem, de chapéu e cabelos aparentemente negros. Mas suas costas se curvavam como a costa oeste da África e se apoiava em uma bengala bem destruída pelo uso excessivo. Ao falar com o jovem rapaz atrás dele, retirou o chapéu e a peruca rapidamente e mostrou os cabelos brancos:

– Olha, vim disfarçado pra não pegar fila preferencial. Não conta pra ninguém.

A fila deu a volta no quarteirão e já contava, obviamente, com vendedores de amendoim, cartão da C&A, três crentes girando e pessoas alugando roupas de borracha com a promessa de que no máximo você sentiria uma coceirinha na hora do churrasco interior. Cinco reais o aluguel, com devolução compulsória.

Perto das sete horas, horário em que finalmente a fila começaria a andar, a energia elétrica do bairro caiu. Um transformador estourou devido a forte ação do ar ao seu redor. E para surpresa de ninguém, o caos foi instaurado no local. Gritaria, reclamações e chutes em quem girava.

– Que país lixo! Não dá mais nem pra morrer em paz!

– Se eu to vivo, é culpa do PT!

– Vou voltar pra casa hoje e falar o que? Assim fica difícil!

– Se eu tiver vivo até as 8 da noite, o Procon vai ficar sabendo.

Mas ninguém arredava o pé da fila. Uma mulher até pediu segurarem o lugar, enquanto ia fazer as unhas e se depilar pra fazer bonito na hora da tremedeira.

Algumas pessoas receberam no whats app uma notícia que dizia que as cadeiras elétricas não matam de verdade, o que mata é o tiro que te dão depois. Na verdade é um grande esquema de compra de votos. Outro estudo sério do telegram dizia que cadeiras elétricas não tinham sido inventadas ainda e que ao entrar ali no local, você era raptado, virava cidadão Chinês e ia trabalhar fazendo iPhone.

Algumas pessoas pensaram em sair da fila, mas ninguém teve coragem de perder o lugar guardado com tanto esmero.

Deu dez horas da manhã, a energia elétrica voltou. Todos foram eletrocutados com sucesso até uma da tarde. Tirando o último da fila, que não foi executado porque acabou a cadeira travou no boot. Control alt del não funcionou e chamaram o técnico da Net.

– Grr, mundo injusto, grr – disse Salvador, babando.

Dez da manhã na Faria Lima


empresario na faria lima

Ser empresário no Brasil é muito duro. Duríssimo. Acordo todo dia às nove da manhã, tomo meu café e vou ao trabalho. Meus comandados não funcionam sem mim. Tenho que me apressar.

O escritório é do lado de casa, vou a pé, mas o barulho dos carros me incomoda nos cinco minutos de caminhada que tenho. Sério, sorte de quem mora na zona leste, lá deve ser mais silencioso. Longe dessa loucura. Acho que preferiria pegar duas horas de ônibus do que ouvir essa barulhada por cinco minutos, viu?

Sempre que chego no trabalho, por volta das dez da manhã, bem cedinho, costumo conversar bastante com a recepcionista. Gata, mas mora em Osasco. Tem dia que chego no horário de almoço dela, que é meio dia, mas normalmente pego ela lá de saída.

Minha jornada de trabalho é árdua e fatigosa. Suo sangue para que a engrenagem empresarial do escritório de contabilidade fique rodando perfeitamente. Duas horas da tarde, depois de atualizar meu Linkedin com algum post motivacional, meu turno acaba e vou para a academia.

Ah, tinha esquecido de um detalhe. Nunca, eu digo nunca, saio sem deixar alguns trocados para os meus funcionários comprarem algo para comer durante a noite. Na região as coisas são caras, ainda mais depois das oito, sabe como é. Uma pizza por aqui custa 100 reais, em média. Mas como eu confio nos 40 homens e mulheres que tenho sob meu comando, sei que conseguem comer com cinquenta reais. Sabem se virar. Vieram dos confins de São Paulo.

A academia é bem vazia no horário que eu vou. Ainda não entendo o motivo. Duas e meia da tarde e não tem ninguém. Julgo que somente eu descobri o horário mágico da academia vazia. Sou muito inteligente, sabe? Meu pai me disse exatamente isso quando deixou a empresa em minhas capazes mãos:

– Filho, se não fosse eu a te dar essa empresa, outra pessoa o faria, porque você é um ser maravilhoso.

E foi-se para Curaçau, curtir as praias e viajar pelo mundo com a nova namorada. Namorada essa que estudou comigo, eu que apresentei. Nunca mais o vi.

E pô, falei, falei e falei por aqui e você ainda não sabe metade do stress e do terror que é ser empresário nesse país. Sorte de quem é empregado. De quem pode dormir sem se preocupar com o amanhã. De quem sabe que é pobre e não tem risco de ficar pobre.

Já nós, os motores do país, temos que dormir menos que dez horas por dia e ainda assim, controlar e comandar pessoas que só querem saber de dinheiro. Ninguém mais trabalha por amor. Ninguém mais veste a camisa e se dedica. O amor perdeu. O dinheiro venceu.

E logo eu, um empresário modelo. Que na pandemia aguentei calado o home office de todo mundo. Tomava café sozinho na empresa. Na solidão, na saudade.

Mas logo que acabou a ameaça do vírus comunista, eu inventei uma nova modalidade, o Office Office. Assim, as pessoas trabalhariam remotamente, mas do escritório mesmo, aqui na Faria Lima.

Conheço meus funcionários. Sei que, essa ideia, eles amaram.

Quando um empresário da Faria Lima está triste, uma fofa criança sorri – Desconhecido, Autor – 2023.

Regulamento Único do Futebol de Rua




Esse documento, escrito em folha arrancada de caderno de brochura, deverá ser lido ou ignorado, dependendo do grau de força de vontade dos jogadores. Pode rasurar, rasgar e amarelar esse documento ao desejo do portador.

REGULAMENTO ÚNICO DO FUTEBOL DE RUA
ver.354.92-A (2023 -A)

O campeonato mundial de Futebol de Rua™ é realizado anualmente desde quando o esporte foi criado. E como é um esporte grandemente conceituado e difundido, também tem suas regras secretas, que são:

1 – Todos os times terão que ter mais ou menos cinco jogadores cada. Não tendo nenhuma restrição quanto a sexo, idade, raça e espécie animal e espiritual.

2 – Segundo o campo de jogo:

2.1 – Este poderá ser feito de qualquer material, dede que tenha ao menos uma árvore dentro ou ao redor dele. Na ausência de árvores, dois ou três matinhos serão aceitos.

2.2 – O terreno deverá ter uma inclinação de 20 a 30 por cento. Possivelmente localizado onde, após alguma saída de bola, o jogador tenha que busca-la alguns quilômetros.

3 – Gols, Traves e Travessão

3.1 – Os gols deverão ser feitos de dois chinelos Havaianas separados por dez pés descalços do goleiro. Durante a partida, é permitido que o goleiro junte os chinelos para diminuir o tamanho do gol, se ninguém perceber, o jogo continua. Mas ao mesmo tempo, o atacante também pode aumentar, afastando os chinelos um do outro ao, no máximo, 30 metros.

3.2 – Rede. Não tem.

3.3 – O travessão é imaginário e sua altura é mesma do galho mais baixo da árvore no campo. Se não houver a árvore (ver regra 2.1), a altura passa a ser de quatro matinhos empilhados ou a altura máxima a qual o goleiro consegue cuspir pra cima.

4 – A bola deve ser velha e com muitos calombos. De preferência dente de leite. Deve quicar muito mais do que o normal e fazer mais curvas em contato com o vento que um balão de festa. Também serão aceitas bolas de capotão com os gomos caindo e murcha, facilitando a vida de jogadores mais lentos e fortes.


5 – Sobre as proteções corporais

5.1 – Nenhuma.


6 – Toda a equipe deve ter algum acessório da mesma cor sendo utilizado. Lembrando que somente a cor é importante. Podem ser usados bonés, estrelinhas de xerife, colares e rosto pintado de canetinha. Mas é estritamente proibido o uso de uniformes combinando. As roupas tem que ser diferentes entre os colegas de time.

6.1 – O uso de roupa idêntica a do adversário é legalizado. Se for matematicamente possível de acontecer sem prévia combinação.


7 – São permitidos: Carrinho, paulistinha, voadora abaixo da cintura, puxão de shorts, tapão na orelha, mil anos de dor, estrelas ninjas de plástico, triple bye bye bird, a gravata, o mata leão e a chinelada, desde que esta última não seja com o chinelo que faz uma das traves.

7.1 – Também são permitidos: Falar que a mãe vende Yakult, que a tia é caminhoneira, o pai chora no banho, que o outro é adotado, falar que se tomar drible vai quebrar o driblador no meio e outros tipos de carícias verbais.

7.2 – É proibido: Goleiros pedirem para os atacantes não darem bicuda. Passível de expulsão.


8 – No caso da bola cair dentro de uma casa, debaixo de algum carro, no mar ou em outra cidade, quem chutou, busca. Não importa em quem desviou. Se, depois de duas horas, o jogador não achar a bola, o resultado será finalizado e o jogo acaba com o placar no qual foi paralisado.


9 – Se algum cachorro, criança recém nascida ou uma pessoa cega entrarem no campo durante a partida, serão considerados participantes ativos. Podendo ser usados para tabelinhas e para defesas estratégicas. Só será considerado infração se for descoberto que era secretamente ajudante de algum time.

10 – Carros, caminhões, navios e motos que passam pela rua não pararão o jogo. O jogo só será parado para a passagem de ambulância ou um carro funerário. Não precisamos citar bicicletas e pedestres que são praticamente a paisagem do campo.


11 – Os jogos terão duração de 85 minutos, divididos em dois tempos. Ou vira 5, acaba 10. Os times decidem antes do começo do jogo ou quando perceberem que 85 minutos é muito tempo.


12 – A regra secreta 12 anula todas as outras regras anteriores, se assim for necessário.

13 – É permitido a troca de jogadores somente quando uma das pernas está paralisada de tanta pancada. 60% da perna precisa estar vermelha e / ou preta.

14 – Em caso de chuva, o jogo acontecerá normalmente. Em caso de rua de terra, será permitido jogar lama no corpo para se camuflar. Fica a critério de cada jogador.

Se recomenda a pontualidade máxima e a vontade de vencer absoluta. O Futebol de Rua agradece a sua participação.

Obrigado.


São Paulo, dia 14 de Março de 2023.
Confederação Mundial do Futebol de Rua.

50%

Em uma ilha perdida no meio do oceano Atlântico, vivem mais de mil pessoas. Não se sabe ao certo o nome desse pedaço de terra, só se sabe que o número de pessoas que vivem lá é um número par. Tipo 2, 4 e 6, sabe?

As leis da ilha são claras. Ninguém se naturaliza e só se nasce e só se morre em pares. Nasceu sozinho, é congelado até nascer outro solista. Morreu sozinho, o marido ou a esposa é jogada no mar. Na falta de um ente querido, joga-se o mais bobo por perto.

É uma história antiga. Não se atenha a detalhes, por favor.

Nessa querida ilha, que vamos chamar carinhosamente de Ilha, as coisas não são 100% perfeitas. Aliás, metade disso. Vou tentar explicar.

Por alguma anomalia genética, paleontóloga, patética ou gastronômica (eles comem o que se move), exatamente 50% da população é louca. Isso mesmo que você ouviu na sua mente ao ler essas palavras. A cada dois bebês que nascem, um é louquinho, birutinha, lelezinho da cuquinha e gosta de legumes.

Até hoje, ninguém conseguiu descobrir o motivo disso acontecer desde que a Ilha é Ilha. Talvez o fato de que, todos os cientistas que vão pra lá, são espancados até a morte pela parte louca da ilha. Talvez seja um pequeno motivo. Sei lá. Vai saber.

E por consequência disso tudo, as votações na Ilha eram sempre complicadas. O empate era quase sempre esperado. Tentaram incluir uma terceira opção, mas comeram ela na janta do mesmo dia e defecaram no café da manhã do dia anterior. Não deu tempo da terceira opção contar até três.

Estudiosos dizem que o sistema democrático sempre é o melhor. Mas lá era a prova do contrário. Em uma votação para modelo de distribuição de comida entre todos, a opção “jogar toda a comida no mar enquanto rola na areia” foi a vencedora, com 50% dos votos.

A religião que dominava por lá era a Ahli. Uma religião que pregava que a Ilha estava de ponta cabeça e de que o mar, na verdade era o céu. 50% da população da ilha frequentava essas igrejas diariamente e rezavam pro Deus Bacalhau. Que foi crucificado com a Cruz de Malta.

Não adiantava. As pessoas que não eram loucas tinham preguiça de debater, brigar e procurar uma guerra com seus irmãos de terra. Já que quem briga com louco, leva no coco. Expressão essa cunhada após um pedestre discutir com um louco e receber um coqueiro na cabeça. Cortado com serra elétrica e tudo. O rapaz morreu, mas o louco foi jogado ao mar pro equilíbrio da fauna humana, chamada de Fumana por lá.

A política era a parte mais interessante. Porque lá nunca houve um líder. O resultado da eleição era sempre 50% para cada lado. Então o debate político era eterno. Uma das leis mais interessante sobre esses debates, era a que o político era obrigado a procriar para que, seu filho ou filha, debata no lugar dele em caso de falecimento ou de perda da noção de realidade. No caso dos loucos, só se morrer mesmo ou ser invocado pelo Bacalhau.

Um prometia casa, comida e saúde para todos. O outro prometia fazer as forças armadas dominarem a Ilha para que fossem uma ilha soberana sobre todas as outras. A ilha mais próxima ficava a 5 mil quilômetros e nem sabiam o nome. E as forças armadas eram literalmente todos os moradores dali, sem armas e sem treino. Forças desarmadas, no caso. E força também não tinham, porque jogaram a comida no mar. Fracos desarmados. Pronto.

Mas nada adiantava. Para os loucos, o candidato louco sempre era o melhor. Não havia como discutir. Quem briga com louco, leva no coco.

Até que um dia, os não-loucos tiveram a maravilhosa ideia de comprar um bebê pirata de um barco que passava por ali. Tava em promoção, três por dez. Mas só pegaram um pra não dar na cara. Ganharam um cupom de 50% de desconto na próxima compra.

Fingiram que esse bebê era um louco e faziam ele votar em tudo a favor das pessoas normais. E deu tudo muito certo. Ao fazer 16 anos (a idade de maioridade por lá), ele votou a favor do candidato que passou no teste psicotécnico da autoescola sem precisar chutar o professor com um coqueiro.

Desde então os loucos olham estranho para ele, achando que ele era doido. Afinal, no ponto de vista dos loucos, os outros que eram os diferentes. Afinal, se pararmos pra pensar, isso tudo é uma puta lição de perspectiva e empatia com o próximo.

Dependendo do ponto de vista…

…ah, nem vem com essa porcaria. São um bando de louco mesmo. Se correm pela praia pelados e gritando, deitam no mar pra impedir que barcos passem e se fazem coisas de louco, são loucos. Ponto.

Agora são só 49% por lá, vão ser ignorados com o tempo e distraídos com chocolate, futebol e música. E qualquer coisa, tem o cupom pra próxima compra guardado.

A verdade sobre as eleições de 2022

Um esquema sujíssimo!

É verdade. Nesse texto aqui, sem enrolação, você ficará sabendo do maior escândalo eleitoral já visto na democracia brasileira.

Como todos nós sabemos, o sistema eleitoral brasileiro é muito complexo. Tenha em mente que esse texto foi pensado e escrito especialmente para você, pessoa com discernimento. Mas, sem mais delongas, vamos ao que interessa. Sendo a frase anterior, uma delonga por si só.

Bom, você leu até aqui? Uau, eu realmente não sei como continuar agora. Normalmente as pessoas só compartilham pelo título e, no máximo, o subtítulo. Você tá lendo? Isso claramente era um clickbait para arrecadar alguns trocados. Mas já que você se interessou pelo assunto, vou comentar algo que vale a pena ler. Vem comigo.

Descobri que uma quadrilha de traficantes se alojou no quintal da minha casa e estão preparando um assalto gigantesco na sede do banco central. Vai acontecer em alguns meses. Estou coletando informações e provas para poder entregar para as autoridades e divulgar em todas as mídias. Mas calma, não espalha pra ninguém ainda. Preciso de tempo.

E é óbvio que isso também era mentira. Qual é, né? É que quanto mais tempo você fica nessa página, mais nós ganhamos. As propagandas nas laterais do site ficam mudando, viu? Cada mudança são alguns centavos a mais na conta. Parece que você gosta de ser enganado. Mas pra te recompensar, posso te oferecer um prêmio exclusivo. Olha só.

Para receber o prêmio, você precisa clicar em mais de cinco propagandas e esperar um email que chegará em alguns dias. Mas para sanar a sua ansiedade, você terá que entrar aqui todos os dias para conferir. Sempre que entrar, clique novamente nas propagandas, sei lá, como ritual de sorte, talvez. Você que sabe.

Se você acreditou no parágrafo acima, me desculpa, mas aí o problema já tá com você. Começou a usar a internet ontem? Pelo amor, hein? Eu ganho por número de palavras nos artigos e textos que escrevo. Tenho que encher linguiça aqui e acolá pra receber alguma coisa. Sabe como é, vida de escritor e redator no Brasil.

Eu sei que você entrou aqui querendo saber das eleições de 2022. São importantes, eu sei. Mas eu não tô nem aí. O que importa é que você foi besta o suficiente pra clicar nisso e ainda por cima ler até aqui.

Passei de duas mil letras. Pronto. Agora posso terminar de verdade.

Lembrando, índices de educação, saúde e condição média financeira não vão crescer. Se você quer que algo cresça, começa pelo banner de aumento peniano ali que te dou uma certeza de crescimento exponencial de uma coisa.

Da minha conta bancária.

Realidade paralela

Esse inverno de 2083 está complicado, muito complicado. Já faz mais de trinta anos que inventaram a realidade virtual perfeita (implante ocular) e hoje em dia já instalamos até nas córneas dos recém nascidos. Basta apertar um botão no pulso que você muda de uma realidade pra outra.

Tá ficando muito complicado.

É difícil diferenciar em qual realidade estou atualmente. Mas acredito que vou me virando. Eu acho. Parece. Bem, vejamos.

Bem, apesar dos pesares, hoje o dia foi corrido. Como você deve saber. Tive que levar minha espada para a escola, depois que fortifiquei meu filho e deixei ele +15. Prioridades. Eu curto viver as duas realidades ao mesmo tempo. Sabe como é.

Agora que fiz tudo o que queria, vou dar uma relaxada em casa. Nada melhor que a realidade real.
Ficarei assistindo pela janela esses dois magos duelarem aqui na minha rua enquanto bebo essa poção de HP, a barrinha vermelha na minha cabeça tá meio vazia. Se ela esvaziar minha visão fica cinza por 30 segundos e fico paralisado.

Ah, pronto. Os magos foram embora. Bateu o tédio. Vou entrar na realidade virtual e ver como está minha esposa. Ela é linda, perfeita e um amor de pessoa. Só pode ser a realidade virtual. Esse orc dourado sem pernas ao meu lado é muito mais plausível de existir do que meu casamento perfeito. É óbvio.

Mas será mesmo? O orc acabou de se dissolver e depois de alguns segundos ele renasceu inteiro do outro lado da calçada. Estranho.
Na outra realidade minha esposa me trouxe bolinho de chuva e café. O que eu mais amo comer no fim da tarde. Estranho também.

Finalmente minha espada chegou da fortificação, mas continua fraca. Só que agora ela faz cálculos e disse que tem trabalho em grupo amanhã. Precisa de folha sulfite. Meu filho, por outro lado, chegou da escola brilhando e afiado. Disse que foi difícil passar do +14 pro +15. Doeu muito. Acho que é alguma gíria nova para pegação adolescente. Sei lá.

Estou confuso. Sei que pra alternar de realidades eu só preciso apertar um botão. Parece fácil, mas depois de alguns anos perde o sentido. Ao menos parece que estou perdendo agora. Poxa.

Respira Roberval. Isso. Vamos parar pra pensar e analisar cada realidade, ver qual é a mais plausível e a que tem mais sentido. Logicamente a outra será a virtual. Vamos lá.

Bom, primeiramente vou sair de casa aqui e falar com o grande orc dourado. Mas ele não fala português, esqueci. Bom, talvez aquele dragão ali na esquina seja bilíngue. Falarei com ele. Ele voou atrás de um foguete terraplanista. Até agora, nada de absurdo, tirando o fato do orc ter mudado de cor.

Deixe-me mudar de realidade. Pronto. Nessa daqui tem essa coisa chamada televisão e tá passando uns caras de gravata, que se chamam de políticos, discutindo o futuro do país e dos milhões de habitantes que eles mal conhecem. Um bando de velho burro e sem educação. Eita. Estranho.

Trocando novamente de realidade. Vou testar aqui as minhas magias. Muito bom, ainda solto fogo pelas mãos e consigo pular mais de cinco metros sem impacto na queda. Acho que é sensato. Todos os meus vizinhos tem poderes similares. Ontem o Joaquim da padaria cortou meu pãozinho com a sua visão a laser.

Mais uma tentativa na outra realidade. Pronto, mudei. Vamos ver. Minha casa é grande, minha mulher é perfeita e somos muito ricos. Meu pai é dono de uma rede de supermercados. Também tem um continente quase inteiro que passa fome e seu povo é discriminado fora de lá por várias pessoas. Hum.

Bom, não preciso de mais informação para saber qual é a realidade verdadeira. É óbvio que a tristeza e sofrimento faz parte da vida e, algo tão bom e legal só pode ser algo criado artificialmente. Vou ficar mais aqui na realidade. Não se pode afundar em uma vida utópica se ela não é real, não é verdade?

Que tristeza é a realidade. Olha só. Aquele Goblin acabou de matar o Rei Arthur com uma lança chamas de gelo. Óbvio que aqui é a realidade. Como eu pude ter dúvidas?

E complemento. Quem programou aquela realidade virtual, é um completo imbecil! Velhos engravatados decidindo o futuro do país. Bilionários. Fome. Faz me rir.

Quem que inventa um lixo desse? E pior ainda, quem compra?

+16, uhu!

Reprodução Intergaláctica

Um dia ensolarado em Washington DC, Estados Unidos. A sede da NASA estava tranquila, horário de café. Sabe com é. Foguetinhos pra lá, Terra plana pra cá e só alegria. Dia feliz.

Mas é lógico que a felicidade acabou. Como ela sempre acaba.

Uma mensagem de outro planeta chegou. Sim. É isso que você leu. Apitou-se umas sirenes loucas e as luzes vermelhas começaram a rodar no teto. Como em todo filme. Alerta. Todos aos seus postos. Ligam os alto falantes do prédio inteiro. A mensagem é ouvida em alto e bom som:

– Para os líderes do planetinha azul, tenho um recado importante – dizia a voz, claramente traduzida por alguma coisa de Babel. E continuava:

– Uma nave fugitiva de meu planeta, Kosnia, está indo em direção ao planeta de vocês. Chegarão em alguns meses. São seres que não aguentaram as regras e a linha de pensamento correta da família tradicional Kosniana. Exijo que, em hipótese alguma, vocês reproduzam com alguém dessa nave. Devolvam ela imediatamente ou eliminem todos ao primeiro contato.

A galerinha da NASA, obviamente, ficou intrigada com aquela ordem e foi atrás de mais informações sobre o planeta Kosnia. Acharam pouca coisa. Alguns textos bem escondidos, mais nada.

O planeta ficava, em termos técnicos e científicos precisos, longe pra dedéu. E era por isso que nunca tinham ouvido falar dele. O Sr. Dedéu consegue ir pra muitos lugares. E se for longe pra ele, é longe pra caramba mesmo.

Descobriram que o planeta tinha um ditador chamado Laughs Have (Ri Ter, em portugês) e, que parecia muito, ter sido ele a mandar a mensagem. Já que ele quer purificar a raça do planeta dele e extinguir qualquer possibilidade de algum Kosniano, a raça perfeita, ficar impuro ao reproduzir com alguém de outro planeta.

Era tudo muito claro para a NASA e o governo americano. Riter queria que mandássemos a nave embora, para não darmos uma casa nova para crianças de raça mista. Algo como Terrakosnianos, ou outro nome melhor que esse. Por que se for esse nome, Riter tem um ponto aí.

Meses se passaram até a nave chegar perto de nossa atmosfera. Muita discussão havia acontecido nesse tempo. Discussão, talvez, não seria a palavra mais precisa. Foi quase uma guerra fria intergaláctica.

O governo americano divulgou para o mundo toda a conversa com deles com Riter. As ameaças que ele fazia contra a humanidade, e tudo que ele tentaria fazer caso alguém desse um beijinho maroto nos alienígenas que iriam vir.

Logicamente, protestos eclodiram pelo mundo pedindo a paz universal. Mais amor, menos ódio! Vai que elas tem 5 peitos? Diziam alguns cartazes. Vai que os homens de lá tem cérebro? Diziam outros. Mas todos eram a favor de uma suruba interplanetária organizada e limpinha no dia da chegada da nave.

Ameaças dos dois lados, gritos, protestos, mais ameaças, simpatizantes de Riter batendo nas pessoas na rua. Logo depois sendo espancados até a morte. Clima tenso na Terra. Em Kosnia ninguém sabe o que aconteceu. Riter não falava nada sobre o seu planeta. Ele tinha voz de fumante. Detalhe.

Mas na noite em que a nave estava pousando, o ditador Kosniano finalmente se deu por vencido. Afinal, ele estava longe pra dédeu e nenhuma arma que ele tinha chegaria aqui com força suficiente pra causar dano a tempo. Liberou a orgia sem precedentes e o fim da eugenia de Kosnia. Estava abatido no último áudio.

A porta da nave finalmente se abriu e de lá saíram 5 milhões de Kosnianos. A NASA soltou um foguete de comemoração ao começo do dia mais sexual da história do universo.

O único problema é que ninguém avisou que eles eram feitos de luz e nunca tinham ouvido falar sobre o tato. Detalhe.

Todos ficaram muito tristes e desiludidos, achando que Riter, na maldade suprema, tinha vencido sem querer.

Mas isso não podia ficar assim. Durante aquela noite, o mundo inteiro se uniu. Todos em pensamento positivo, em uníssono, procurando uma solução e o caminho pra felicidade daqueles exilados maravilhosos. O amor deveria vencer. É maior que tudo. O amor sempre vence.

Mas aí deu cinco e meia da manhã, o sol nasceu e engoliu todos os Kosnianos.

Todos mortinhos.

Ai você lembra do segundo parágrafo do texto.

A felicidade é superestimada

Olá.

Esse texto vem gratuitamente aos seus olhos. Aproveite cada palavra, porque normalmente eu cobro em minhas palestras pelo mundo afora.

Nunca ninguém saiu de uma palestra minha sem ter a vida totalmente modificada. Seja pela conteúdo ou pelo preço, que faliu muitas famílias. Costumo cobrar caro para falar por trinta minutos. Sou gago e falo devagar, então os trinta minutos não viram nem cinco.

Não terminei o colegial.

Mas também, terminar o colegial é algo extremamente sem sentido. Já que a grande maioria das pessoas no mundo o fez e, como sabemos, a grande maioria das pessoas do mundo são pobres e tristes.
Se é pra ser pobre e triste, estude menos. Estudar é chato, consome tempo e estatisticamente não leva a nada.

Já pessoa que tiram fotos do pé, estão milionárias na internet nos dias de hoje. Com isso concluímos que foto de membros do corpo valem mais do que anos de estudo. Como ninguém nunca escreveu isso antes?

Mas lógico que se você regular seu sono, estudar muito, se alimentar bem, fazer a faculdade, malhar, meditar, ser agradável, feliz, treinar muito e se esforçar todos os dias em seu trabalho, nada garante que você conseguirá qualquer coisa.

Na verdade, pela probabilidade, você não vai conseguir. Só vai perder amigos com o tempo. Ainda mais no Brasil. A chance de você ser rico aqui é de 1%. Isso quer dizer que você vai ser pobre, confie. Só que você pode ser pobre de várias formas. Uma pior que a outra.

Ser um pobre triste é a melhor saída. A felicidade é superestimada. Quem é feliz, fica triste e se sente mal. Quem é triste, quando tudo dá errado, só risca mais um dia no calendário. Se você for triste 100% do seu tempo, você erradica a tristeza. Quanto mais feliz você for, mais triste você fica.

É por isso que as propagandas vendem a felicidade. Eles querem você triste.

Mas é claro que o destino a Deus pertence. E o destino vai te pegar e levar aos céus. Te jogar de lá de cima. Enquanto você cai, anjos cuspirão em você, enquanto pássaros defecam em sua cabeça.

Afinal, a felicidade nunca ganhará. Por mais que ela tente. Ela pode chutar a nossa porta, nos levar café da manhã na cama, nos agraciar com imagens belíssimas de um pôr do sol maravilhoso e com uma saúde perfeita.

Já a tristeza abre sua porta com a chave que roubou de você no carnaval. Chuta sua mesinha de centro. Te acorda na porrada e com água gelada. Joga seu café na pia do banheiro e seu pãozinho pela janela. Te mostra uma chuva ácida que destrói toda sua cidade e, depois, a raça humana. Vitória.

Não é que você não merece ser feliz. Na real, você não merece mesmo. Mas mesmo se merecesse, não seria. Porque não dá.

Se a sua vida fosse um filme, você não teria nem nascido. Não teriam verba pra produção. E ainda pegariam a capa do roteiro e queimariam no fogão do vizinho. Jogariam o fogão em um vulcão em erupção para ter certeza que ninguém nunca teria essa ideia novamente.

Se você é fã de esportes, dá pra definir sua vida como sendo igual a de um jogador de vôlei de praia no Paraguai.

Astrofísicos pelo mundo dizem que o universo é vazio. Já que tem tão pouca matéria nele, que podemos dizer que o espaço vazio é absurdamente massivo, mesmo não tendo massa. A parte em que existe algo no universo é tão insignificante, que podemos dizer que nem existimos.

É o paralelo perfeito com nossas vidas aqui na Terra. Somos insignificantes, tristes e sem futuro. Já que sabemos que um dia o planeta vai ser consumido pela ganância dos poucos que se acham felizes.

No dia do fim do mundo, seremos 100% tristes e pobres. E antes da escuridão total e do frio do universo nos abraçar com suas garras gélidas e mortais, poderemos falar em uníssono:

– Chupa, felicidade.

*esperando aplausos*

Meu nome é Bruno Rosik. Até a próxima. Aceito pix.

E de nada.

Figuração

O primeiro planeta habitado fora do sistema solar foi encontrado. Finalmente.

Muitas naves foram enviadas da Terra para o tal planeta, mas só uma chegou ao destino. Era a nave de Carlos. O engenheiro escolhido para auxiliar o comboio. Ainda não se sabe porque o engenheiro foi em uma nave separada. Mas segue a história.

O nome do planeta era Figurantismo – FG0034. Era grande e verde. Com muita água e atmosfera idêntica a da Terra. Podendo assim, Carlos pousar e andar livremente para qualquer lugar.

Mas, como em todas as jornadas ao longínquo, imprevistos acontecem. E o imprevisto dessa vez era bem diferente. Já que o planeta inteiro era habitado por figurantes.

Exatamente o que você leu. Figurantes. Pessoas que figuram.

Carlos andava na rua e não ouvia ninguém falar claramente. Todos ficavam olhando de lado de olho pra ele, mas fingiam uma conversa com a pessoa ao lado sem fazer som claros com a boca. Quando faziam algum som, eram palavras aleatórias e repetidas que, ao longe, pareciam um murmurinho.

Isso tornava a visita do grande engenheiro brasileiro meio complicada. Já que, sempre que ele se movia, todas as outras pessoas se moviam também, pra manter a distância e a veracidade do murmurinho.

Enfim, horas se passavam e Carlos, naquele planeta desconhecido, não havia comido nada. Seu estômago estava quase praticando canibalismo com o seu intestino. Mas foi nessa exata hora que alguém ao longe passa gritando:

– Olha o pastel, olha o pastel! (Carlos ouviu assim graças ao tradutor universal Babel® que tinha na orelha).

Correu pra perto do suposto vendedor, que tentou fugir, mas foi logo pego pelo faminto estrangeiro. Ao fuçar na cesta do rapaz, Carlos viu que não tinha nada dentro, somente um script de uma só folha. Na qual a frase “olha o pastel” estava centralizada, em fonte tamanho 12.

Depois que o vendedor correu pra manter a distância, Carlos voltou a ouvir ao longe:

– Olha o pastel, olha o pastel!

Mas nada podia fazer.

Logo quando a fome ia derruba-lo, o sino da igreja próxima tocou, bem alto. Eram seis da tarde e, por algum motivo desconhecido para Carlos, começa a chover de paraquedas, pão com mortadela e suco de caju. Ao lado da comida, havia uma nota de cinquenta reais (convertendo). Caiu um combo desse pra ele também. Aproveitou.

Logo depois comer e pegar o dinheiro, percebeu que todas as pessoas na rua se foram. Não havia mais ninguém, nem pra contar uma historinha. Evaporaram.

Era muito estranho. Não era possível que, em um planeta tão grande, não havia nenhum coadjuvante. Ou até o protagonista, que sabe. Mas essa resposta, Carlos teria em pouco tempo.

Se aproximaram dele, duas pessoas. Contavam notas de cinquenta reais. Tinham muitas. Olharam para Carlos e logo mandaram:

– Você é de outro planeta, certo? O que veio fazer aqui?

Carlos, prontamente respondeu. Graças aos anos de treinamento na NASA e nas forças armadas brasileiras:

– Ahn?

Mas um dos dois homens respondeu, àquela frase eloquente, prontamente:

– No nosso planeta, só sai da figuração quem nós deixamos. Se quiser ficar por aqui, comece a seguir o nosso roteiro de uma página.

Ao jogarem o roteiro para Carlos, ele percebeu que a página só tinha algumas palavras. Estava escrito “murmurar de longe” e, logo abaixo, em letras miúdas, “parecer vivo”. O custo do roteiro era de dez reais para cada figurante. Chamavam de roteimposto, na língua deles.

Nosso engenheiro abriu a boca para contestar o modo estranho daquele planeta, mas foi logo colocado na geladeira. Sem direito a pãozinho e nem cinquenta reais. Perdeu também o roteiro. Mas, para sorte dele, ele tinha decorado.

No final nas contas, como todo bom brasileiro, Carlos conseguiu fugir depois de dois dias. Se descobriu muito bom em ser figurante e passou completamente despercebido na fuga. Voltou para o pequeno planeta azul, no minúsculo sistema solar, naquela galáxia meia-boca. Chegou na Terra.

Ao pousar, ficou aliviado. Não se sentia mais um mero figurante. Ficou feliz, bem sorridente e foi dormir. Dormir porque tinha que bater o ponto no trabalho às 7 da manhã. Precisa continuar a vida. Carlos tem 4 filhos.

No dia seguinte, tinha um bilhete na mesa de Carlos. Era do chefe dele. Estava escrito “tenha um bom trabalho”, em fonte tamanho 12. Não continha nada além disso. Não precisaria parecer vivo.

É válido ressaltar que o chefe dele estava em Paris, a passeio. Numa quarta. Comendo croissant.

Chuveiro

Passar uns dias na casa da namorada pela primeira vez é complicado. Acabei de voltar do futebol e tenho que tomar banho. Na casa dela. Sim. Pela primeira vez.

Estou com minha roupa e toalha aqui, na porta do banheiro do andar de cima. Não a vejo em lugar algum. A Débora abriu a porta pra mim e sumiu. Bem nessa hora. Complicado.

Vamos lá. Vou fechar essa porta e tomar meu banho. Vejamos. O box é transparente e tem um tapetinho de borracha. Concluo então, claramente, que o chuveiro deve dar choque. Tem algum segredo para liga-lo sem morrer eletrocutado. Hum.

Algumas coisas na vida são vergonhosas. Mas eu acho que nada supera morrer tremendo e pelado no chuveiro de sua namorada. Provavelmente envolto em coisas que só uma bela descarga elétrica pode provocar. Não quero isso pra mim.

Bom. Se o tapetinho está lá, tenho que pisar e ligar o chuveiro. Sem tirar o pé dele. Será? Deve ser. Já tirei a roupa. Vamos ver. Ou não? Hum.

Nossa, acabei de me lembrar vagamente da minha escola do jardim de infância. Isso que dizer que minha vida está passando pelos meus olhos. Deve ser isso. Não é só pisar no tapetinho. Lógico. Tem alguma coisa a mais. Sou sensitivo. Confio nessas bobeiras.

Quando eu entrei, a torneira estava pingando. Pelos meus cálculos, devo ligar a torneira e pisar no tapetinho. Vamos lá. Pronto. Torneira ligada. Nossa, que jato forte. Nunca gostei do meu ombro no espelho desse banheiro. Foco Roberto. Banho. Chuveiro. Vida. Morte não. Vida.

Pronto. Agora que pisei no tapetinho, lembrei de um dia em que a Débora reclamou da descarga de um dos banheiros. Tem sentido. Deve ser desse. E se a descarga quebrou, que dizer que é muito usada. Isso me leva a crer que devo dar a descarga com a torneira ligada antes de pisar no tapetinho e ligar o chuveiro. Tem lógica.

Bom, essa descarga é realmente fraca. Não tinha percebido quando usei da outra vez. Será que é porque a torneira está ligada tem muito tempo? Não, não tem sentido. A conexão privada e torneira é meramente psicológica. Bom, de qualquer forma, fiz tudo o que tinha pra fazer. Hora de ligar o chuveiro e desafiar a morte. Bem preparado.

Mas antes deixa eu tentar estancar o vazamento da pia. Tá caindo muita água no chão. Não tem ralo ali. Vou usar a toalha de rosto. Depois eu aviso que tem que trocar. Nossa, a toalha ficou preta. O chão não devia estar muito limpo. Agora dei uma limpada. De nada.

Bom. Lá vou eu. Desbravador de chuveiros alheios. Corajoso. Intrépido. Um profissional teórico da chuveirologia. Mas antes, deixa eu abrir a janela. Pra entrar um ar geladinho caso o chuveiro exploda. O ar manteria o ambiente desexplodido e eu teria tempo para correr. Pegar a roupa antes. Correr pelado na casa da namorada pode ser fatal para o relacionamento.

Agora que abri a janela, percebi que tinha um shampoo no batente dela. Caiu lá fora no quintal do vizinho. Depois eu pego. Agora é hora de tomar um banho gostoso.

Oh, a Débora tá batendo na porta. Acho que ela tá com saudades. Tá me perguntando lá de fora por que que tem água em todo o corredor do segundo andar. Eu ignoro e pergunto pra ela todos os segredos do chuveiro. Ela me responde:

– É só girar o negócio ali e abrir, amor.

Peguei minhas roupas e fui pra casa.

Vou terminar esse namoro. Não dá pra confiar em alguém que te deixa sozinho com o chuveiro alheio. Sociopata que chama.

O vizinho ganhou um shampoo. Tô fora.