Chuveiro

Passar uns dias na casa da namorada pela primeira vez é complicado. Acabei de voltar do futebol e tenho que tomar banho. Na casa dela. Sim. Pela primeira vez.

Estou com minha roupa e toalha aqui, na porta do banheiro do andar de cima. Não a vejo em lugar algum. A Débora abriu a porta pra mim e sumiu. Bem nessa hora. Complicado.

Vamos lá. Vou fechar essa porta e tomar meu banho. Vejamos. O box é transparente e tem um tapetinho de borracha. Concluo então, claramente, que o chuveiro deve dar choque. Tem algum segredo para liga-lo sem morrer eletrocutado. Hum.

Algumas coisas na vida são vergonhosas. Mas eu acho que nada supera morrer tremendo e pelado no chuveiro de sua namorada. Provavelmente envolto em coisas que só uma bela descarga elétrica pode provocar. Não quero isso pra mim.

Bom. Se o tapetinho está lá, tenho que pisar e ligar o chuveiro. Sem tirar o pé dele. Será? Deve ser. Já tirei a roupa. Vamos ver. Ou não? Hum.

Nossa, acabei de me lembrar vagamente da minha escola do jardim de infância. Isso que dizer que minha vida está passando pelos meus olhos. Deve ser isso. Não é só pisar no tapetinho. Lógico. Tem alguma coisa a mais. Sou sensitivo. Confio nessas bobeiras.

Quando eu entrei, a torneira estava pingando. Pelos meus cálculos, devo ligar a torneira e pisar no tapetinho. Vamos lá. Pronto. Torneira ligada. Nossa, que jato forte. Nunca gostei do meu ombro no espelho desse banheiro. Foco Roberto. Banho. Chuveiro. Vida. Morte não. Vida.

Pronto. Agora que pisei no tapetinho, lembrei de um dia em que a Débora reclamou da descarga de um dos banheiros. Tem sentido. Deve ser desse. E se a descarga quebrou, que dizer que é muito usada. Isso me leva a crer que devo dar a descarga com a torneira ligada antes de pisar no tapetinho e ligar o chuveiro. Tem lógica.

Bom, essa descarga é realmente fraca. Não tinha percebido quando usei da outra vez. Será que é porque a torneira está ligada tem muito tempo? Não, não tem sentido. A conexão privada e torneira é meramente psicológica. Bom, de qualquer forma, fiz tudo o que tinha pra fazer. Hora de ligar o chuveiro e desafiar a morte. Bem preparado.

Mas antes deixa eu tentar estancar o vazamento da pia. Tá caindo muita água no chão. Não tem ralo ali. Vou usar a toalha de rosto. Depois eu aviso que tem que trocar. Nossa, a toalha ficou preta. O chão não devia estar muito limpo. Agora dei uma limpada. De nada.

Bom. Lá vou eu. Desbravador de chuveiros alheios. Corajoso. Intrépido. Um profissional teórico da chuveirologia. Mas antes, deixa eu abrir a janela. Pra entrar um ar geladinho caso o chuveiro exploda. O ar manteria o ambiente desexplodido e eu teria tempo para correr. Pegar a roupa antes. Correr pelado na casa da namorada pode ser fatal para o relacionamento.

Agora que abri a janela, percebi que tinha um shampoo no batente dela. Caiu lá fora no quintal do vizinho. Depois eu pego. Agora é hora de tomar um banho gostoso.

Oh, a Débora tá batendo na porta. Acho que ela tá com saudades. Tá me perguntando lá de fora por que que tem água em todo o corredor do segundo andar. Eu ignoro e pergunto pra ela todos os segredos do chuveiro. Ela me responde:

– É só girar o negócio ali e abrir, amor.

Peguei minhas roupas e fui pra casa.

Vou terminar esse namoro. Não dá pra confiar em alguém que te deixa sozinho com o chuveiro alheio. Sociopata que chama.

O vizinho ganhou um shampoo. Tô fora.

Questão de opinião

Estamos no começo do ano de 2055. Um ano como todos os outros anos que o antecedem. Grande. Maior que onze meses e menor do que treze. Nada de especial. Essa é a minha opinião. Mentira. Tem doze meses mesmo.

Ontem fui na padaria e foi complicado pra variar. Digamos que pedi três pães e o atendente me deu somente dois. Questionei o motivo de eu ter ganho uma unidade a menos da minha querida massinha de trigo. Ele me disse, que pra ele, tinham três pães no saquinho e essa era a opinião dele.

Resumindo, tive que pagar por três pães e levar somente dois. Aprendi no último ano que brigar por isso não leva a nada. Explicarei abaixo.

Sempre achei isso muito estranho. Digo, nosso país é muito estranho. Comecei a pensar mais nesse assunto ano passado, quando fiz dezessete anos. Ou dezoito. É complicado. Já que minha mãe opina que é dezessete e meu pai dezoito. Meu RG tem uma interrogação no ano de nascimento. Sempre foi muito estranho.

Venho tendo esse incômodo dentro de mim já tem um tempinho. Começou quando, na escola, um professor do colegial disse que 1+1 podia ser qualquer coisa. Afinal, cada um tem uma opinião sobre a matemática. Alguns dizem que ela não existe e são dispensados das aulas. Sim.

Foi por aí que eu comecei a descobrir que a juventude de 2055 não é genial como eu pensava que era. Que eu e todos os meus amigos tirávamos nota 10 em todas as provas desde que eu me conhecia por gente. Que eu poderia ter respondido que o descobridor das Américas era uma gelatina desbotada, que eu ganharia a nota máxima. Que eu poderia simplesmente falar que não acredito em história. Estaria dispensado da aula. Era só eu justificar que era a minha opinião.

Incrível.

Foi nesse último ano que resolvi procurar estudar sobre a história do país. Já que, ao conversar com amigos de outros países na internet, eu percebia que lá fora era diferente. Eles tinham certeza das coisas e parece que uma tal de ciência era aplicada no dia a dia. Também era meio que universal nos outros países o fato de  1+1=2. Como chegaram nessa conclusão irrefutável? Fiquei pasmo com o avanço.

Foi num desses papos com estrangeiros que eu descobri que existem livros. Aqui no Brasil não tem mais, por algum motivo. Mas consegui algumas versões de livros de história de 2022 na deep web. Já que é impossível achar nada sobre o nosso passado no Google. Parece que alguém deletou tudo.

Ler é muito gostoso. Todos deveriam ler, sabia? Ainda mais sobre esse nosso passado peculiar.

Li que em 2020, uma pandemia atacou o mundo inteiro. E que o Brasil foi o último a se tratar e a se curar. Mesmo sendo um dos últimos a ser contagiado também. Incrível.

Também li que um dos motivos pra isso ter ocorrido, foi a falta de crença na tal da ciência. E que algumas pessoas negavam que o vírus sequer existia.

Outras pessoas passavam a vida inteira estudando e aprimorando o conhecimento nas áreas científicas. Mas eram rapidamente destruídas por pessoas aleatórias dando opiniões na internet. Parece que o @joãozinho342745 sabia do que falava.

Fui atrás de alguns livros que explicam o que era ciência de forma mais profunda. Foi mais difícil ainda de achar. Tive que pagar caro pelo acesso a esse material sensível. Parece que o governo tem medo desse conteúdo. Dizem que um ministro um dia foi ler e a cabeça explodiu, porque tinha muitas letras e poucos desenhos.

Li. Reli. Li novamente pensei. Concluí algumas coisas.

Entendi tudo. Ou quase tudo. Afinal, ciência é difícil. Atirar nos outros é fácil. Deve ser por isso que aboliram um e liberaram porte de outro. Mas deu pra entender mais ou menos o que aconteceu.

Resumindo, no Brasil, as pessoas estúpidas venceram. Sim, os burros. Aquela galerinha que reprovaria no teste do pezinho se fizesse novamente. Eles eram maioria há uns 30 e poucos anos atrás e dominaram o país. Com seus políticos igualmente idiotas.

Não somos uma pátria temida, como nosso exército nos diz todos os dias na televisão às 18:00. Somos uma piada internacional. Ninguém conversa conosco por medo de nossa estupidez ser contagiosa. Temos um potencial pandêmico.

Cada brasileiro que pisa em outro país, faz a média de inteligência daquele local cair cinquenta por cento instantaneamente.  Por isso somos proibidos de viajar. Já que na opinião do nosso governo, aviões são perigosos e ninguém entende como eles voam. 

Bom. Um lugar onde o céu pode ser vermelho e a água pode ser sólida, dependendo de quem opina, não pode ser respeitado. Eu entendo.

Mas será que quantas pessoas sabem disso por aqui? Será que estou sozinho? Será que vou ser morto se sair gritando na rua que o céu é azul e que números existem?

Preciso deixar guardado aqui pra posteridade. Talvez se eu escrevesse tudo de forma calma e ponderada, desse certo. Como a galera que estudava antigamente fazia.  Eu estava pensando em postar nas redes sociais e tentar começar a educar o país do zero.

Mas hoje mais cedo eu contei tudo isso para meus pais. Eles riram de mim e fizeram sinal de arminha com as mãos. Também me chamaram de comunista e vão me mandar pra China. Para eu ver o que é bom. Já compraram a passagem pra depois de amanhã.

Há uma hora atrás, fui ler sobre a China. Descobri que em 2049, o país se transformou na maior economia do mundo. Arrumou um jeito de acabar com a poluição nas grandes cidades e acabou com a desigualdade social. Investe pesado em tecnologia e ciência. Deletaram a palavra opinião (观点) do vocabulário e o Brasil do mapa nas escolas.

Pensando bem, educar o brasileiro talvez não vai rolar. Preguiça. 

再见.

Distanciamento Social

Acordou.

Hank acordou. De manhã, no Brasil. No meio de uma pandemia bem assustadora. Uma tal de gripezona lá.

Como era de costume, tomou seu café e saiu rapidamente de casa, para o trabalho. Ia todos os dias andando. Trabalhava no Supermercado ali perto, era do setor financeiro.

Ao andar pelo bairro das Figueiras, Hank se enchia de orgulho. Fazia um bom tempo que as pessoas estavam respeitando o distanciamento social. Ele via exaustivamente na televisão e na internet, que o país estava um caos. Ninguém respeitava nada. Todo mundo indo aos bares, praias e tal. Mas o bairro dele, perfeito como era, não. Tanto que não tinha contato com ninguém há meses. Perfeito.

Nem se lembrava da última vez que conversou pessoalmente com alguém que não fosse seu gerente. Isso era bom. Estava seguro e a salvo. Sempre de máscara e lavando as mãos. Nunca menos de dois metros de alguém.

Nesse mesmo dia, ao chegar em casa, teve uma ideia. Começou a escrever um blog sobre seu bairro. Dizia lá que o local era exemplo de boa conduta, que o distanciamento era respeitado de forma excelente e que especialistas deveriam ir conhecer e aprender com os moradores. Talvez até uma reportagem para o Fantástico. Quem sabe.

E, adivinhem, aconteceu.

O blog do Hank ficou famoso. Viralizou. Hank conseguiu milhões de acessos em pouco tempo. Muitos comentários de celebridades elogiando o bairro e um convite da Rede Globo para uma entrevista. Irrecusável.

Não demorou muito, a casa de Hank estava cheia de câmeras e alguns repórteres para saber tudo sobre o bairro milagroso. A matéria seria veiculada na abertura do Fantástico: O bairro super educado. O bairro inteligente. O bairro do futuro. O bairro perfeito.

Hank, que morava sozinho, contou para a família e pros amigos sobre a reportagem. Pediu para todos ligarem na Globo no final do domingo para assistirem e se orgulharem. Dele e do bairro onde vivia.

Hank mal conseguia dormir. Ficou feliz. Emocionado. Chorava de felicidade a noite. Queria abraçar o mundo. Era a semana mais feliz da vida dele. Gastou o que não podia em roupas e móveis. Queria viver naquele bairro maravilhoso para sempre. O paraíso existia. Era ali. Hank sabia.

Domingo chegou. O Fantástico começou. Mas a reportagem não abriu o programa.

– Tudo bem – dizia Hank para si mesmo.

Podiam ter mudado somente a ordem do que vai aparecer. Normal.

No interminável terceiro bloco, informaram que a equipe investigativa da emissora tinha descoberto algo interessante e uma das reportagens tinha sido modificada. Eles deram uma volta no bairro das Figueiras e concluído que o bairro não tinha nada de especial. Pessoas se abraçando, se beijando e até, pasmem, dando as mãos. Portanto, tinham cancelado a reportagem e reportaram o blog do Hank ao vivo para as autoridades. E para o país inteiro.

Em poucos dias, Hank estava preso por divulgação de fake news. Pegou dois anos. Ia ser encarcerado junto com criminosos da mais alta patente. Ladrões, assassinos e até, pasmem, pobres. Todos encostadinhos e a menos de dois metros um do outro.

A família de Hank não foi visita-lo em nenhum momento. E também nenhum amigo foi ver como ele estava. Só o gerente do supermercado ligou perguntando se ele poderia fazer home office da cadeia. Pelo visto não podia. Mas no meio dessa conversa, Hank também perguntou para seu chefe o motivo do blog dele ter sido um fiasco total. Estava curioso.

O gerente então falou que, o bairro da Figueiras continuava vivendo como todo o resto do Brasil, não tinha diferença nenhuma. Ninguém nunca respeitou o lockdown de verdade. Desde o dia um.

A grande diferença, disse o gerente, era que Hank era chato pra caramba. Ninguém nunca gostou dele. Desde que ele era criança. Todo mundo achava que ele tinha percebido e aceitado. O distanciamento social era permanente pra ele, desde a adolescência.

Sim.
Hank só era chato.

Distanciamento social, educação e respeito no Brasil.

Deu um tapa na própria testa.
Ele deveria ter desconfiado.

O assassino da faquinha de rocambole

Assassino da faquinha de rocambole

Como o título do texto já diz, essa é a história de um famoso serial killer, que viveu nos anos 80.

O nome verdadeiro dele era Josimar. Ele sempre se apresentava como “Josimar, que gosta de matar”. Matança que tentava fazer com uma faquinha de rocambole. Rosa. De dez centímetros.

Alguns críticos de assassinatos diziam que essa era a forma mais cruel que já existiu de se matar alguém. A morte poderia levar de quatro a cinco anos de pura tortura. E também a troca das faquinhas, já que uma só entortaria nos primeiros minutos. Calcula-se quatro mil faquinhas para cada morte.

Mas nenhuma teoria dessas chegou ser testada. Josimar nunca conseguia matar ninguém. Sempre fugia da polícia depois de arranhar maldosamente sua vítima e deixar a pele dela vermelha com a parte de serrinha da faca.

Pura maldade. É o que todos pensamos.

Um dos casos clássicos do assassino é contado em uma certa academia de boxe. Onde Josimar uma vez tentou matar um lutador que era campeão nacional, fazendo um leve corte diagonal em sua luva. Corte este que ameaçou a desfiar o objeto por alguns dias. Até o lutador levar para alguém arrumar. Sorte.

Está também nos arquivos desse homem abominável, a vez que ele entrou em uma festa infantil para assassinar os pais da criança. Terrivelmente, 2% do bolo foi arruinado. Sem recuperação. A confeiteira estava dormindo aquela hora, com gripe.

Mesmo com essas inúmeras tentativas de atrocidades, Josimar nunca era pego pelas autoridades. Ele, em busca de sua primeira vítima, humilhava a polícia com sua habilidade colossal em deixar pessoas vivas e sem rastros de sangue. Indetectável.

Essa dança poética entre potencial assassino e polícia foi se estendendo até meados de 1988. Quando finalmente o primo de Josimar contou-lhe que a faca de cozinha, conhecida popularmente como faca, era mais efetiva para matar pessoas do que a faquinha de rocambole.

No começo, Josimar desconfiou. Mas depois tentou cortar um rocambole com a faca e conseguiu. Coisa que nunca tinha feito com a faquinha rosa. Era um novo dia. O maior assassino da história poderia, finalmente, florescer.

Depois de meses de treino para se acostumar com o peso da nova arma, o grande serial killer saiu para tentar finalmente executar sua primeira vítima. A faca de cozinha estava reluzente, com o cabo pintado de rosa, por sentimentalismo. Os assassinos cruéis também amam. Só não amam as vítimas. Mas aí é pedir demais.

Chegou, finalmente, na casa de uma pessoa aleatória. Arrombou a porta e ameaçou o coitado com a faca. A pessoa tentou correr, mas Josimar, esperto como um chicote,  foi atrás e cortou o braço do rapaz. Logo em seguida, amedrontado, disse:

– Nossa, sangue! Que horror. É assim que é as coisa tudo? Esse troço vermelho ai é sangue?

Josimar nessa hora percebeu, que a escolha para ser serial killer não foi acertada. Ele era, na verdade, uma boa pessoa e tinha nojinho de sangue.

Mas era tarde para qualquer epifania. Entrou um policial pela porta, armado, orgulhoso e dizendo palavras duras em voz alta:

– Josimar, finalmente te encontrei! Você arruinou 2% do bolo da minha filha anos atrás! É hora da vingança. O rocambole dá voltas!

E atirou no peito do mais novo ex-assassino.

Mas a sorte estava do lado de Jô, como era chamado pela namorada. A faquinha de rocambole estava no bolso da camisa. Bem no lugar onde a bala do policial passou. Ele tinha colocado ali para ficar perto do coração. A faquinha era parte da sua vida. Toda rosinha.

Mas, como todos nós sabemos e, agora Josimar também, a faquinha rosa não serve pra nada.

Foi-se.

O mistério do cobertor

crônica do cobertor

Osvaldo chegou em casa cansado, depois de um dia intenso de trabalho. Logo que pisou no chão da sala, chamou a esposa e filhos para tirar uma dúvida. Intrigado.

Falou para eles que tinha visto um cobertor para vender, não lembrava onde, que tinha uma cor estranha. Meio verde, meio azul. Ele não conseguia dar um nome para aquela cor. Mas não tinha tirado foto nem nada, só podia contar como era na sua cabeça, mesmo. Estava curioso pra saber qual era aquela cor.

A família discutiu por muito tempo, sem chegar a nenhuma conclusão.

Osvaldo então, levou a discussão para o bar, com os amigos. Estava pasmo com a impossibilidade de contar sobre um cobertor para as outras pessoas, porque a cor era muito impossível de descrever. Estava com uma coceira no cérebro.

O melhor amigo dele, Roberval, foi categórico:

– É verde água, mano! Com certeza. Essa cor eu conheço, pô.

Mas o melhor jogador de truco do bairro, Olavinho, retrucou:

– Lógico que é Oliva, cacete! É óbvio! Oliva esse cobertor ai. Verde, azul. Tal. Oliva!

Ambos ficaram discutindo durante algum tempo. A discussão passou para briga. E a briga passou a pegar no orgulho. Os dois foram procurar em livros antigos suas respostas. Foram para a biblioteca municipal.

Roberval achou um livro grego, muito antigo, que cheirava a armário de vó. Lá dizia que a cor verde-água era sagrada e nutria os seios das virgens sagradas do palácio de Atenas. Ao lado, uma amostra da cor.

Osvaldo disse que a cor não era essa.

Olavinho riu e mostrou o seu livro. Era do império Romano, de 1450. dizia que a oliva era a cor da eternidade e da supremacia Romana. Vale dizer que três anos depois, o império se dissolveu. Uma amostra da cor no rodapé da página.

Osvaldo também disse que a cor não era a do cobertor.

Não obtiveram resposta alguma com tudo aquilo. Mas eram homens orgulhosos. Foram a psicólogos, analistas de cores, pintores e desenhistas. Ninguém conseguiu entender e mostrar a cor correta. Frustrando mais e mais pessoas. E mais pessoas.

O tempo passou.

Vinte anos depois, o grupo de estudo do cobertor do Osvaldo (era como se chamavam) era de trinta pessoas. Todas tentando descobrir a cor do maldito cobertor. Foi fundada a FCDC, Fundação cor do cobertor, para reunir recursos em um só lugar. Para viagens, palestras de estudiosos e cientistas coloridos do mundo inteiro.

As famílias de Osvaldo e de seus amigos estavam em frangalhos. Gastaram tudo que tinham na procura da cor. Julgavam ser a nova cor do universo. Queriam ganhar o prêmio Nobel da arte, ou algo assim.  Ficariam ricos. Dariam o nome de Osvaldo para a nova cor. Mas nada. As trinta pessoas do grupo estavam quase desistindo.

Quase.

Mas, exatamente vinte três anos depois do início da jornada, que Osvaldo finalmente passou em frente a loja que vendia o cobertor. Parou atônito ao olhar pela vitrine. Ele ainda estava lá! O mesmo modelo, mesma cor! Igualzinho! Parecia que o tempo não tinha passado. Um milagre cobertorístico.

Ligou para todos da FCDC e pra família. Chamaram também Bill Gates, que financiava uma parte do projeto. Se encontraram todos em frente a loja e finalmente descobriram a grande e aguardada verdade.

Osvaldo era daltônico.

Era laranja, a cor.

Invi Zíver – Big Brother

Invi ziver bbb

Opa, ufa, cansei. Cheguei. Sou eu. Zíver, Invi Zíver. Ninja profissional aposentado. Tenho muitas histórias contadas em ordem cronológica. Se você quiser ler todas antes de começar por essa, é só clicar aqui. Aconselho.

Como eu ia dizendo, antes de eu mesmo me interromper, sou um super ninja profissional aposentado, mas tive que voltar a ativa devido ao pagamento pífio do INSS. Sabe como é, né? No fim do mês, não me sobre nem 10 estalecas. Mas como costumo inventar e sair de situações, me viro quase bem. Dizem.

Tenho um projeto de apartamento em Itaquera. Ontem tive que quebrar uma parede para colocar uma lâmpada. Sim. Sou inventivo. A lâmpada ainda vou comprar. Em breve.

Também alugo um escritório na Praça da Sé. Prédio histórico, tombado e quase tombando. Passo meu dia lá, pegando casos de lindas clientes desesperadas e papeando com minha quase amiga e faxineira, Adelaide. Ela ama minha inventividade. Hoje mesmo riu quando eu inventei que tinha uma mesa no escritório. Quase consegui inventar uma cadeira.

Mas hoje era um dia diferente. Eu estava tentando fazer minha barriga acreditar que eu tinha comido algo nos últimos três dias. No momento em que eu estava quase para fracassar, ela entrou. Esguia, alta, forte. Bateu a porta do escritório com toda a força e me olhou nos olhos como se sugasse tudo de dentro de mim. Azar dela que comida não tinha.

– Zíver? Invi Zíver? – disse suavemente, com a voz grossa de um trator em chamas.

Pasmo, perguntei o nome. Ela disse:

– Pedro Bial. Não me reconhece da tv?

Era homem! A falta de comida me dá alucinações, isso eu já sabia. Meu médico me disse. O problema é que eu não tenho um médico. Devo ter alucinado ele também. Ele me cobrou. Não consigo nem alucinar de graça. Única coisa que tenho feito de graça é trabalhar.

Logo após ele recitou um poema longo. Falando sobre filtro solares e pessoas saindo de uma casa. Chato pra caramba. Dormi.

Trinta minutos depois, ele gentilmente me acordou. Deu vários tapas em minha cara, porque sentiu que eu aguentaria. Tenho muitos anos vividos, mas pareço ter dois a menos. Desmaiei de dor. Acordei depois de mais trinta minutos.

Enfim. Pedro Bial queria me contratar para matar o Tiago Leifert, o novo apresentador do BBB. Perguntei para ele o que era BBB. Levei outro tapa. Desmaiei. Quando acordei, depois de horas, ele me disse que tinha conseguido uma vaga para mim na próxima edição. Eu iria disfarçado de ninja e não tiraria a roupa até sair da casa. E ao sair, mataria o apresentador.

Matar alguém em rede nacional não era uma ideia muito boa. Mas eu precisava da grana. Perdi minha única caneta para os traficantes da boca de fumo aqui do lado. E eu tinha esperanças de colocar tinta nela um dia. Faz tempo que não escrevo. A última palavra foi na faculdade. Em 75.

Quando contei para a Adelaide que participaria do tal do BBB, ela me deu um abraço e desejou boa sorte. Foi a coisa mais afetuosa que ela já fez por mim nos últimos trezentos anos. E olha que ela viveu mais que isso. Pareceu-me que ela gostava muito desse programa. Pedi algumas dicas. Com todo o meu charme. Pisquei. Tomei uma vassourada.

Quando acordei, vi que Adelaide era proficiente em Big Brother. Me contou como funcionava o programa, em detalhes. Me disse para ser controverso lá dentro, mas nem tanto. Algo como ser atropelado ao caminho do telefone e chorar no banho ajudariam. Também me disse pra não assediar as mulheres. Não pegava bem. Mal ela sabe que a última mulher que paquerei morreu de causas naturais. Em 82. Um pitel.

Ela podia ter parado de explicar no momento que me disse que ia ter muita comida lá. Me ganhou ali. Bum! Fui para a casa mais vigiada do país.

Na primeira semana, tentei ser amigável. Todo mundo me respeitava por causa da minha roupa ameaçadora de ninja e meu olhar penetrante. Tenho um olho meio morto. Cai um pouco pra direita quando pisco. Charme.

O cliente, Pedro Bial queria que eu saísse cedo, na primeira semana. Na hora que o Tiago Leifert fosse me dar o abraço de despedida, eu o mataria com minhas técnicas secretas ninja. Eu ainda não tinha pensado em nenhuma, porque eu estava desarmado. Fazia anos, aliás.

Mas a casa tinha mais comida em um dia do que meu escritório nos últimos três anos. Eu não queria sair dali nunca mais. Era muito bom ver comida e ela ser de verdade. Quando dei a primeira mordida em algo sólido, chorei de emoção. Meu estômago ficou desconfiado. Esmola grande é bobagem.

E ninguém da casa votava em mim e, quando eu ia para o paredão, o povo brasileiro me fazia ficar. Talvez o bingo da Adelaide é grande. Ou é eufemismo pra outra coisa. Sou popular. O primeiro ninja das sombras popular. Pioneiro.

Resultado: ganhei o BBB. Todos queriam dar o prêmio para o misterioso ninja secreto do olhar penetrante. Fiquei tão feliz com meu prêmio milionário, que esqueci de matar o apresentador. Na verdade, abracei ele e dei um beijo na testa. Parecia um bom menino.

Na hora que saí, vitorioso, me pediram pra tirar a máscara ao vivo para o Brasil inteiro.  Todos queriam saber quem eu realmente era. A audiência era recorde no país. Mas eu não poderia fazer isso. Minha identidade secreta me deixa a salvo dos inimigos mortais.

Os mal feitores? Não, os credores.

Recusei o prêmio. Pedro Bial não me pagou. Passou no meu escritório e me deu outro tapa. A minha sorte é que desmaiei e não ouvi o poema que ele recitou ao sair. Adelaide estava muito feliz, por algum motivo secreto. Me contou que os traficantes adoraram minha aparição na tv e me deram um saquinho de tinta como presente. Só que era em pó. E era branca.

Zíver, Invi Zíver. Ninja profissional.

Agora só falta a caneta.

De volta para o passado

cronica portal

Numa conversa de bar, Paulo ouviu de algum amigo mais-do-que-bêbado, sobre a existência de um portal que voltava ao passado.

Sim. Uma porta misteriosa que iria permitir que quem a trespassasse, voltasse para algum tempo atrás e pudesse fazer o que a mente escolhesse. Paulo, que estava tão bêbado quanto o amigo, achou a ideia maravilhosa e colocou na cabeça que no dia seguinte sairia a procura. Portal esse que, segundo o amigo, ficava no meio da floresta amazônica. Conveniente.

Falou com sua mulher que, claramente, foi veemente contra a viagem. Já que eles moravam em Belo Horizonte, ele perderia dias de trabalho e deixaria esposa e filho sozinhos.

– É perigoso – disse ela.

– Sei me cuidar – disse ele.

Depois de muita discussão nesse tom acalorado, ele ganhou. Saiu de casa no dia seguinte, às 5 da manhã, para procurar o tão sonhado portal. A porta que levaria Paulo para o passado. Para tempos que já estavam somente na memória dele e de todos os outros. Reviveria e respiraria o ar que já havia respirado. Emoção. Tremedeira.

Chegando lá, pediu indicações para moradores das cidades pequenas ao redor da floresta. Ninguém sabia de muita coisa. Somente um senhor de 115 anos de idade, disse lembrar a localidade exata. Disse que ia contar em detalhes, mas cinco segundo depois esqueceu onde estava, falou que era o Batman e foi levado para o quarto, para tomar remédios.

Paulo não desistiu. Entrou na floresta sozinho, disposto a achar por conta própria a grande entrada. O portal. Era algo muito valioso para se perder assim, no meio do nada. Se você considerar milhares de árvores como nada.

Bom, passaram-se muitos meses. Paulo tinha enfrentado gnomos assassinos, índios possuídos pelo demônio, lagartos gigantes que pareciam dragões e macacos pequenos que pareciam carneiros. Estava exausto, cansado e muito mais magro. Tinha perdido um braço, todos os dentes e uma orelha. Tinha esquecido como falar português. Só conseguia fazer um barulhos estranho com a boca.

Apesar disso tudo, aprendeu a sobreviver na selva e estava começando a gostar da ideia. Mas lembrou da mulher, filho e do emprego. Estavam lá sem dinheiro há muito tempo. Talvez ela já tivesse achado outro. Em breve já faria um ano que estava na procura. Mas isso não era preocupante, pensou ele. E disse em voz alta para confirmar:

– Ahn pruu raaaa tututu gaaaahhs puf papa uuu.

Que na mente dele, soava algo como voltar no tempo com o portal e recuperar tudo que perdeu. Até as calças, que já lhe faltavam.

Quando completou um ano de floresta, Paulo, que já tinha perdido até um dos pés, saltitando, encontrou o local. Um ano. Finalmente.

Estava em uma clareira, no coração da floresta amazônica. Um portal de cristal, no meio do nada, com um homem ao lado, de chapéu branco e um cajado na mão. Tudo brilhava muito e Paulo teve a certeza de que ali era o local.

Ao se aproximar, o guardião da porta falou num tom que daria pra ouvir do outro lado da floresta:

– Grande viajante, a porta que leva ao passado está aberta. Apresse-se e entre!

E tudo brilhou. O portal se abriu.

Paulo visivelmente emocionado, com a chance de recuperar seu corpo, sua dignidade e, possivelmente sua esposa, chorou. Entrou aos prantos pela porta, correndo.

Ao passar pelo portal, chegou numa clareira e ouviu a voz:

– Grande viajante, a porta que leva ao passado está aberta. Apresse-se e entre!

E tudo brilhou. O portal se abriu.

Instawar

logo do instagram para crônica texto curto

Era uma festança! Eu acho que foi, ao menos.

O dia era 1º de setembro de 1939, cidade de Frankfurt an der Oder, divisa da Alemanha com a  Polônia.

A festa estava sendo dada pelo tal de Führer lá. Não lembro direito. Um tal de Joseph Goebbels tinha divulgado as festividades e o amigo Reinhard Heydrich organizou a segurança. Sem registro fica difícil saber de tudo. Mas é mais ou menos isso dai.

Poloneses e alemães estavam curtindo um descanso merecido depois dos anos sofridos que tinham passado. A festa era um pretexto perfeito pra respirar fundo e seguir um futuro feliz e próspero. É o que eu ouvi.

Felicidade é o que não faltou no local: Um general bebeu mais do que podia e abaixou as calças mostrando a cueca com estampa de gansos. Um conselheiro de guerra tomou um fora de uma estátua e tinha mais gente passando mal e rindo do que consciente. Talvez.

Mas alguma coisa estava faltando e ninguém sabia. Como uma sensação de falta de queijo no macarrão. Uma nuvem de chuva num dia ensolarado.

Aquela sensação foi tomando conta de todos os presentes. Até do senhor Adolfo, o Führer lá. Sensação chata que parecia uma coceira no cérebro.

Era registro! Sim. Um dos generais conseguiu descobrir o que era aquela estranha sensação. Faltavam fotos, vídeos e comentários sobre a festa. É claro!

Imediatamente todos os presentes na grande festa pegaram lápis e papel e começaram a desenhar os acontecimentos. Alguns escreviam uma legenda no desenho. Foi visto um estrategista de guerra polonês fazendo bico de pato por 45 minutos em direção a um alemão  que desenhou um boneco de palito.

Tentaram.

Mas não adiantou. Sem registro, sem fotos,  sem nada, a festa não estava acontecendo.

– Se não postou, não aconteceu – Adolf Hitler, 1939.

O Instagram não tinha sido inventado. Aquela festa não poderia acontecer. Na verdade, ela estava acontecendo e não acontecendo ao mesmo tempo. Erwin Schrödinger estava na festa e começou a pensar em gatos.

A festa não chegou ao seu final. Todos estavam muito deprimidos e revoltados com a falta de stories para relembrar o que tinha acabado de acontecer e testar quem ganhava mais likes nas fotos. Nenhum deles tinha a menor ideia, mas era isso aí.  Não era dor de barriga, como pensavam.

O Führer estava emburrado e andando com os amigos para o leste. Mas encontrou Chamberlain, o Ministro inglês, bêbado, logo ali na fronteira dos dois países.

– Não passem daqui, senão vou gorfar em vocês – disse ele, num inglês extremamente refinado.

O resultado dessa conversa todos nós sabemos. Registraram tudo em muitos livros e com muitas fotos.

Mas a festa, não.

Sinceridade

político rindo

Nossa. Tá escuro.  Ah, clareou, abri os olhos. Acho que acordei. Bom, acho que é isso. Melhor me levantar da cama. Vou para mais um dia duro de trabalho. Não sorria ao pensar isso Ademar. Foco.

Esse meu  trabalho é importante. É importante para o país, para o povo brasileiro e para as futuras gerações. Ademar, para de mostrar esses dentes ao pensar essas coisas. Não é engraçado. Foco. Cara séria. Tenho que me condicionar a pensar que é por isso que escolhi a profissão. E não porque quero ficar rico e ter certo tipo de poder. Olha lá, falando a verdade eu não sorrio. Engraçado.

Estou pronto para meu desjejum. Já consegui controlar meu sorriso involuntário. Posso encarar minha mulher e filho de forma aberta. Eles me amam. Todos tem orgulho de mim. Ademar, paizão e político exemplar. Um marco na história brasileira. Sou honesto e trabalhador. Cheguei na cozinha. Lá estão eles. Afe.

– Ademar, posso saber qual é o motivo do sorriso gigante no rosto?

Droga. Não adianta. É impossível pensar essas coisas e não achar engraçado. Vou ter que inventar qualquer desculpa. Vamos ver.

– É a felicidade de acordar em mais um dia lindo destes para ajudar o Brasil a florescer.

Nossa, não aguentei. Gargalhei. Nossa, cuspi o café no meu filho. Queimei ele. Minha barriga tá doendo. Socorro. Água. Mão tremendo, não consigo.

– Ademar, o que é tão engraçado que te fez sujar todo o coitado do Enzo?

– Nada amor, lembrei de uma piada. Só isso. Me desculpe, filhotinho.

Se concentre Ademar. Hoje você tem uma entrevista para o maior telejornal do Brasil. E é em horário nobre! Vai ter que falar as besteiras e não pode rir. Foco, força e falácia.

Bom, estou aqui no meu Porsche em direção ao meu glorioso trabalho de deputado. Nossa, parei. Melhor pensar a verdade, senão posso bater o carro. Como pensar essas besteiras é engraçado. Não vou conseguir dar a entrevista. É sobre educação básica. E eu sei que eu estou pouco me fodendo pra criançada. Isso vai ser um desastre. Preciso treinar mentalmente ainda. Muito.

Cheguei na câmara. Tenho um dia inteiro de trabalho até chegar a hora da maldita entrevista. Com’on Ademar! Não ria disso. É sim, um trabalho. Eu ganho, e muito, pra estar aqui. Eu faço umas porcarias nesse prédio que podem ser chamadas de trabalho. Pare de rir, pelo amor de tudo que é sagrado. Chutei a lixeira enquanto cambaleava. É hoje, viu.

Finalmente estou no meu gabinete. Aqui posso pensar o que quiser e rir de qualquer coisa que ninguém vai suspeitar. Na verdade eu invejo os amigos de profissão. Eles conseguem mentir sem mudar em nada a expressão facial. Incrível. Eu não consigo. Ainda bem que a minha campanha foi feita pelo marketing. Se eu fosse falar algo, nossa senhora. Preguicinha.

Nossa, cochilei. Que horas são? Ah, já tá perto da hora da entrevista, vou direto pro local marcado e preparar a maquiagem. Mas ainda estou preocupado. E se me perguntarem sobre as crianças e o futuro do país? Ou pior, sobre saúde e hospitais públicos? Ou então sobre política! Eu não sei nada dessas coisas. Vou ter que falar aquelas coisas que o marketing ensinou e não vou aguentar. Vou rir. Muito. Se pá eu chuto o Bonner sem querer.

Vou treinar mentalmente. Vamos lá. Eu, Ademar, deputado, considero a educação básica o alicerce da nossa sociedade. Sem ela, o futuro…

Não consigo. Desde que pensei a palavra “futuro” até agora eu passei vinte minutos gargalhando dentro do carro. Parei o carro no acostamento, quase bati. Estou com dor na lateral da barriga. Não, na barriga inteira. Nossa, como isso é engraçado. Pareço um maníaco. Não vou conseguir. Serei chamado de Coringa da política. Desisto.

Já sei. Descobri como posso resolver. Vou pra Miami. Não pago a passagem mesmo. De lá ninguém vai me ouvir. Falo que foi uma emergência política. Reunião com o prefeito de Miami. Miami tem prefeito? É cidade? Sei lá. Tem praia, isso eu sei. Que o telejornal se vire pra justificar minha ausência. O povo acredita em tudo, ninguém vai atrás mesmo. Acreditaram nos meus panfletinhos.

A educação…

Minha barriga, ai cacete.

Viajante do tempo

delorean

Vamos falar de teorias. Eu sempre curti muito teorias e é sobre uma delas que vamos falar agora. Senta aí.

Algumas pessoas acreditam que, se alguém for muito importante para o futuro da humanidade de alguma forma, receberá em algum momento da vida, uma visita de um viajante no tempo que vai querer saber tudo sobre você. Tipo um historiador.

Isso porque no futuro, as pessoas que poderão voltar para o passado, irão visitar figuras histórias importantes. Como alguém que tenha inventado a cura para uma doença gravíssima ou algum grande esportista histórico.

Resumindo, se você for importante pra humanidade no futuro, fique esperto, alguém pode vir te visitar para aprender como você vive. Ou viveu. Dependendo do ponto de vista.

E essa teoria era conhecida e aceita por Joseílton. Morador de 21 anos da parte sul da cidade do Rio de Janeiro. Tinha acabado de ler sobre a teoria ao mesmo tempo que ganhara um aumento de salário e uma mudança de cargo. Trabalhava em uma multinacional de tecnologia. Era um rapaz inspirado. Queria mudar o mundo. E tinha chances reais de conseguir.

Ele estava trabalhando em uma nova tecnologia que permitiria gerar energia de forma limpa em escala global. Estava somente no início mas, se desse certo, iria mudar a forma predatória com que o ser humano trata o planeta. Estava confiante.

E no meio de uma dessas semanas que sucederam a mudança de cargo, Joiseílton encontrou um rapaz da mesma idade dele na rua. Na verdade, o rapaz que o interpelou:

– Joseílton?

– Sou eu mesmo. Me desculpe, e você? – respondeu educadamente, como sempre.

– Ah cara, você não me conhece. Muito prazer, sou o Ronaldo.

– Muito prazer!

Nessa hora a cabeça de Joseílton estava a mil. Se sentiu muito importante. Iria mudar o mundo. Respirou fundo e continuou a conversa em tom amigável com o garoto do futuro.

Foram algumas horas. Depois de faltar ao primeiro turno do trabalho para contar tudo da sua vida ao Ronaldo, ele se despediu do amigo do futuro, temendo nunca mais o ver. Já que o viajante voltaria para seu tempo e Joseílton iria rumo ao sucesso e a mudança definitiva do mundo. Agora tinha certeza.

Depois de exatamente uma semana, Joseílton voltava do trabalho e percebeu a importância daquela visita do futuro.

Assaltaram a sua casa sequestraram toda a sua família.