Passar uns dias na casa da namorada pela primeira vez é complicado. Acabei de voltar do futebol e tenho que tomar banho. Na casa dela. Sim. Pela primeira vez.
Estou com minha roupa e toalha aqui, na porta do banheiro do andar de cima. Não a vejo em lugar algum. A Débora abriu a porta pra mim e sumiu. Bem nessa hora. Complicado.
Vamos lá. Vou fechar essa porta e tomar meu banho. Vejamos. O box é transparente e tem um tapetinho de borracha. Concluo então, claramente, que o chuveiro deve dar choque. Tem algum segredo para liga-lo sem morrer eletrocutado. Hum.
Algumas coisas na vida são vergonhosas. Mas eu acho que nada supera morrer tremendo e pelado no chuveiro de sua namorada. Provavelmente envolto em coisas que só uma bela descarga elétrica pode provocar. Não quero isso pra mim.
Bom. Se o tapetinho está lá, tenho que pisar e ligar o chuveiro. Sem tirar o pé dele. Será? Deve ser. Já tirei a roupa. Vamos ver. Ou não? Hum.
Nossa, acabei de me lembrar vagamente da minha escola do jardim de infância. Isso que dizer que minha vida está passando pelos meus olhos. Deve ser isso. Não é só pisar no tapetinho. Lógico. Tem alguma coisa a mais. Sou sensitivo. Confio nessas bobeiras.
Quando eu entrei, a torneira estava pingando. Pelos meus cálculos, devo ligar a torneira e pisar no tapetinho. Vamos lá. Pronto. Torneira ligada. Nossa, que jato forte. Nunca gostei do meu ombro no espelho desse banheiro. Foco Roberto. Banho. Chuveiro. Vida. Morte não. Vida.
Pronto. Agora que pisei no tapetinho, lembrei de um dia em que a Débora reclamou da descarga de um dos banheiros. Tem sentido. Deve ser desse. E se a descarga quebrou, que dizer que é muito usada. Isso me leva a crer que devo dar a descarga com a torneira ligada antes de pisar no tapetinho e ligar o chuveiro. Tem lógica.
Bom, essa descarga é realmente fraca. Não tinha percebido quando usei da outra vez. Será que é porque a torneira está ligada tem muito tempo? Não, não tem sentido. A conexão privada e torneira é meramente psicológica. Bom, de qualquer forma, fiz tudo o que tinha pra fazer. Hora de ligar o chuveiro e desafiar a morte. Bem preparado.
Mas antes deixa eu tentar estancar o vazamento da pia. Tá caindo muita água no chão. Não tem ralo ali. Vou usar a toalha de rosto. Depois eu aviso que tem que trocar. Nossa, a toalha ficou preta. O chão não devia estar muito limpo. Agora dei uma limpada. De nada.
Bom. Lá vou eu. Desbravador de chuveiros alheios. Corajoso. Intrépido. Um profissional teórico da chuveirologia. Mas antes, deixa eu abrir a janela. Pra entrar um ar geladinho caso o chuveiro exploda. O ar manteria o ambiente desexplodido e eu teria tempo para correr. Pegar a roupa antes. Correr pelado na casa da namorada pode ser fatal para o relacionamento.
Agora que abri a janela, percebi que tinha um shampoo no batente dela. Caiu lá fora no quintal do vizinho. Depois eu pego. Agora é hora de tomar um banho gostoso.
Oh, a Débora tá batendo na porta. Acho que ela tá com saudades. Tá me perguntando lá de fora por que que tem água em todo o corredor do segundo andar. Eu ignoro e pergunto pra ela todos os segredos do chuveiro. Ela me responde:
– É só girar o negócio ali e abrir, amor.
Peguei minhas roupas e fui pra casa.
Vou terminar esse namoro. Não dá pra confiar em alguém que te deixa sozinho com o chuveiro alheio. Sociopata que chama.
O vizinho ganhou um shampoo. Tô fora.