Numa conversa de bar, Paulo ouviu de algum amigo mais-do-que-bêbado, sobre a existência de um portal que voltava ao passado.
Sim. Uma porta misteriosa que iria permitir que quem a trespassasse, voltasse para algum tempo atrás e pudesse fazer o que a mente escolhesse. Paulo, que estava tão bêbado quanto o amigo, achou a ideia maravilhosa e colocou na cabeça que no dia seguinte sairia a procura. Portal esse que, segundo o amigo, ficava no meio da floresta amazônica. Conveniente.
Falou com sua mulher que, claramente, foi veemente contra a viagem. Já que eles moravam em Belo Horizonte, ele perderia dias de trabalho e deixaria esposa e filho sozinhos.
– É perigoso – disse ela.
– Sei me cuidar – disse ele.
Depois de muita discussão nesse tom acalorado, ele ganhou. Saiu de casa no dia seguinte, às 5 da manhã, para procurar o tão sonhado portal. A porta que levaria Paulo para o passado. Para tempos que já estavam somente na memória dele e de todos os outros. Reviveria e respiraria o ar que já havia respirado. Emoção. Tremedeira.
Chegando lá, pediu indicações para moradores das cidades pequenas ao redor da floresta. Ninguém sabia de muita coisa. Somente um senhor de 115 anos de idade, disse lembrar a localidade exata. Disse que ia contar em detalhes, mas cinco segundo depois esqueceu onde estava, falou que era o Batman e foi levado para o quarto, para tomar remédios.
Paulo não desistiu. Entrou na floresta sozinho, disposto a achar por conta própria a grande entrada. O portal. Era algo muito valioso para se perder assim, no meio do nada. Se você considerar milhares de árvores como nada.
Bom, passaram-se muitos meses. Paulo tinha enfrentado gnomos assassinos, índios possuídos pelo demônio, lagartos gigantes que pareciam dragões e macacos pequenos que pareciam carneiros. Estava exausto, cansado e muito mais magro. Tinha perdido um braço, todos os dentes e uma orelha. Tinha esquecido como falar português. Só conseguia fazer um barulhos estranho com a boca.
Apesar disso tudo, aprendeu a sobreviver na selva e estava começando a gostar da ideia. Mas lembrou da mulher, filho e do emprego. Estavam lá sem dinheiro há muito tempo. Talvez ela já tivesse achado outro. Em breve já faria um ano que estava na procura. Mas isso não era preocupante, pensou ele. E disse em voz alta para confirmar:
– Ahn pruu raaaa tututu gaaaahhs puf papa uuu.
Que na mente dele, soava algo como voltar no tempo com o portal e recuperar tudo que perdeu. Até as calças, que já lhe faltavam.
Quando completou um ano de floresta, Paulo, que já tinha perdido até um dos pés, saltitando, encontrou o local. Um ano. Finalmente.
Estava em uma clareira, no coração da floresta amazônica. Um portal de cristal, no meio do nada, com um homem ao lado, de chapéu branco e um cajado na mão. Tudo brilhava muito e Paulo teve a certeza de que ali era o local.
Ao se aproximar, o guardião da porta falou num tom que daria pra ouvir do outro lado da floresta:
– Grande viajante, a porta que leva ao passado está aberta. Apresse-se e entre!
E tudo brilhou. O portal se abriu.
Paulo visivelmente emocionado, com a chance de recuperar seu corpo, sua dignidade e, possivelmente sua esposa, chorou. Entrou aos prantos pela porta, correndo.
Ao passar pelo portal, chegou numa clareira e ouviu a voz:
– Grande viajante, a porta que leva ao passado está aberta. Apresse-se e entre!
E tudo brilhou. O portal se abriu.