Realidade paralela

Esse inverno de 2083 está complicado, muito complicado. Já faz mais de trinta anos que inventaram a realidade virtual perfeita (implante ocular) e hoje em dia já instalamos até nas córneas dos recém nascidos. Basta apertar um botão no pulso que você muda de uma realidade pra outra.

Tá ficando muito complicado.

É difícil diferenciar em qual realidade estou atualmente. Mas acredito que vou me virando. Eu acho. Parece. Bem, vejamos.

Bem, apesar dos pesares, hoje o dia foi corrido. Como você deve saber. Tive que levar minha espada para a escola, depois que fortifiquei meu filho e deixei ele +15. Prioridades. Eu curto viver as duas realidades ao mesmo tempo. Sabe como é.

Agora que fiz tudo o que queria, vou dar uma relaxada em casa. Nada melhor que a realidade real.
Ficarei assistindo pela janela esses dois magos duelarem aqui na minha rua enquanto bebo essa poção de HP, a barrinha vermelha na minha cabeça tá meio vazia. Se ela esvaziar minha visão fica cinza por 30 segundos e fico paralisado.

Ah, pronto. Os magos foram embora. Bateu o tédio. Vou entrar na realidade virtual e ver como está minha esposa. Ela é linda, perfeita e um amor de pessoa. Só pode ser a realidade virtual. Esse orc dourado sem pernas ao meu lado é muito mais plausível de existir do que meu casamento perfeito. É óbvio.

Mas será mesmo? O orc acabou de se dissolver e depois de alguns segundos ele renasceu inteiro do outro lado da calçada. Estranho.
Na outra realidade minha esposa me trouxe bolinho de chuva e café. O que eu mais amo comer no fim da tarde. Estranho também.

Finalmente minha espada chegou da fortificação, mas continua fraca. Só que agora ela faz cálculos e disse que tem trabalho em grupo amanhã. Precisa de folha sulfite. Meu filho, por outro lado, chegou da escola brilhando e afiado. Disse que foi difícil passar do +14 pro +15. Doeu muito. Acho que é alguma gíria nova para pegação adolescente. Sei lá.

Estou confuso. Sei que pra alternar de realidades eu só preciso apertar um botão. Parece fácil, mas depois de alguns anos perde o sentido. Ao menos parece que estou perdendo agora. Poxa.

Respira Roberval. Isso. Vamos parar pra pensar e analisar cada realidade, ver qual é a mais plausível e a que tem mais sentido. Logicamente a outra será a virtual. Vamos lá.

Bom, primeiramente vou sair de casa aqui e falar com o grande orc dourado. Mas ele não fala português, esqueci. Bom, talvez aquele dragão ali na esquina seja bilíngue. Falarei com ele. Ele voou atrás de um foguete terraplanista. Até agora, nada de absurdo, tirando o fato do orc ter mudado de cor.

Deixe-me mudar de realidade. Pronto. Nessa daqui tem essa coisa chamada televisão e tá passando uns caras de gravata, que se chamam de políticos, discutindo o futuro do país e dos milhões de habitantes que eles mal conhecem. Um bando de velho burro e sem educação. Eita. Estranho.

Trocando novamente de realidade. Vou testar aqui as minhas magias. Muito bom, ainda solto fogo pelas mãos e consigo pular mais de cinco metros sem impacto na queda. Acho que é sensato. Todos os meus vizinhos tem poderes similares. Ontem o Joaquim da padaria cortou meu pãozinho com a sua visão a laser.

Mais uma tentativa na outra realidade. Pronto, mudei. Vamos ver. Minha casa é grande, minha mulher é perfeita e somos muito ricos. Meu pai é dono de uma rede de supermercados. Também tem um continente quase inteiro que passa fome e seu povo é discriminado fora de lá por várias pessoas. Hum.

Bom, não preciso de mais informação para saber qual é a realidade verdadeira. É óbvio que a tristeza e sofrimento faz parte da vida e, algo tão bom e legal só pode ser algo criado artificialmente. Vou ficar mais aqui na realidade. Não se pode afundar em uma vida utópica se ela não é real, não é verdade?

Que tristeza é a realidade. Olha só. Aquele Goblin acabou de matar o Rei Arthur com uma lança chamas de gelo. Óbvio que aqui é a realidade. Como eu pude ter dúvidas?

E complemento. Quem programou aquela realidade virtual, é um completo imbecil! Velhos engravatados decidindo o futuro do país. Bilionários. Fome. Faz me rir.

Quem que inventa um lixo desse? E pior ainda, quem compra?

+16, uhu!

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