Figuração

O primeiro planeta habitado fora do sistema solar foi encontrado. Finalmente.

Muitas naves foram enviadas da Terra para o tal planeta, mas só uma chegou ao destino. Era a nave de Carlos. O engenheiro escolhido para auxiliar o comboio. Ainda não se sabe porque o engenheiro foi em uma nave separada. Mas segue a história.

O nome do planeta era Figurantismo – FG0034. Era grande e verde. Com muita água e atmosfera idêntica a da Terra. Podendo assim, Carlos pousar e andar livremente para qualquer lugar.

Mas, como em todas as jornadas ao longínquo, imprevistos acontecem. E o imprevisto dessa vez era bem diferente. Já que o planeta inteiro era habitado por figurantes.

Exatamente o que você leu. Figurantes. Pessoas que figuram.

Carlos andava na rua e não ouvia ninguém falar claramente. Todos ficavam olhando de lado de olho pra ele, mas fingiam uma conversa com a pessoa ao lado sem fazer som claros com a boca. Quando faziam algum som, eram palavras aleatórias e repetidas que, ao longe, pareciam um murmurinho.

Isso tornava a visita do grande engenheiro brasileiro meio complicada. Já que, sempre que ele se movia, todas as outras pessoas se moviam também, pra manter a distância e a veracidade do murmurinho.

Enfim, horas se passavam e Carlos, naquele planeta desconhecido, não havia comido nada. Seu estômago estava quase praticando canibalismo com o seu intestino. Mas foi nessa exata hora que alguém ao longe passa gritando:

– Olha o pastel, olha o pastel! (Carlos ouviu assim graças ao tradutor universal Babel® que tinha na orelha).

Correu pra perto do suposto vendedor, que tentou fugir, mas foi logo pego pelo faminto estrangeiro. Ao fuçar na cesta do rapaz, Carlos viu que não tinha nada dentro, somente um script de uma só folha. Na qual a frase “olha o pastel” estava centralizada, em fonte tamanho 12.

Depois que o vendedor correu pra manter a distância, Carlos voltou a ouvir ao longe:

– Olha o pastel, olha o pastel!

Mas nada podia fazer.

Logo quando a fome ia derruba-lo, o sino da igreja próxima tocou, bem alto. Eram seis da tarde e, por algum motivo desconhecido para Carlos, começa a chover de paraquedas, pão com mortadela e suco de caju. Ao lado da comida, havia uma nota de cinquenta reais (convertendo). Caiu um combo desse pra ele também. Aproveitou.

Logo depois comer e pegar o dinheiro, percebeu que todas as pessoas na rua se foram. Não havia mais ninguém, nem pra contar uma historinha. Evaporaram.

Era muito estranho. Não era possível que, em um planeta tão grande, não havia nenhum coadjuvante. Ou até o protagonista, que sabe. Mas essa resposta, Carlos teria em pouco tempo.

Se aproximaram dele, duas pessoas. Contavam notas de cinquenta reais. Tinham muitas. Olharam para Carlos e logo mandaram:

– Você é de outro planeta, certo? O que veio fazer aqui?

Carlos, prontamente respondeu. Graças aos anos de treinamento na NASA e nas forças armadas brasileiras:

– Ahn?

Mas um dos dois homens respondeu, àquela frase eloquente, prontamente:

– No nosso planeta, só sai da figuração quem nós deixamos. Se quiser ficar por aqui, comece a seguir o nosso roteiro de uma página.

Ao jogarem o roteiro para Carlos, ele percebeu que a página só tinha algumas palavras. Estava escrito “murmurar de longe” e, logo abaixo, em letras miúdas, “parecer vivo”. O custo do roteiro era de dez reais para cada figurante. Chamavam de roteimposto, na língua deles.

Nosso engenheiro abriu a boca para contestar o modo estranho daquele planeta, mas foi logo colocado na geladeira. Sem direito a pãozinho e nem cinquenta reais. Perdeu também o roteiro. Mas, para sorte dele, ele tinha decorado.

No final nas contas, como todo bom brasileiro, Carlos conseguiu fugir depois de dois dias. Se descobriu muito bom em ser figurante e passou completamente despercebido na fuga. Voltou para o pequeno planeta azul, no minúsculo sistema solar, naquela galáxia meia-boca. Chegou na Terra.

Ao pousar, ficou aliviado. Não se sentia mais um mero figurante. Ficou feliz, bem sorridente e foi dormir. Dormir porque tinha que bater o ponto no trabalho às 7 da manhã. Precisa continuar a vida. Carlos tem 4 filhos.

No dia seguinte, tinha um bilhete na mesa de Carlos. Era do chefe dele. Estava escrito “tenha um bom trabalho”, em fonte tamanho 12. Não continha nada além disso. Não precisaria parecer vivo.

É válido ressaltar que o chefe dele estava em Paris, a passeio. Numa quarta. Comendo croissant.

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