Desmatamento

desmatamento

Centrão da Amazônia, dia totalmente normal na tribo fictícia, e bota fictícia nisso, dos Omisbranqui. Qualquer semelhança com alguma tribo real e muito grande, é coincidência e coisa da sua cabeça. Fique dito.

O cacique acorda e toca seu instrumento de cordas até que toda a tribo esteja de pé para o desjejum. Todos amam esse momento. Menos quem não gosta. Dia quente. Inverno.

Era um dia importante aquele. O Cacique ouviria as opiniões de todos os índios influentes da tribo e das tribos vizinhas. Dia em que discutiriam a derrubada de árvores e, principalmente, as queimadas que eles andavam provocando. Sabe como é. Fazer fogo pra esquentar a janta e a faísca cai pro lado errado. Fogueirinha pra aquecer e deixa ela lá acesa. Essas coisas. Etecétera.

O evento foi ali mesmo, na oca de eventos quatro, na parte leste da tribo dos Omisbranqui. Afinal, era a tribo com maior população. O cacique da casa, com duas índias o abanando, começou a reunião de forma digna, prolixa e imponente:

– Que que nóis faz com esses fogo todo ai? Dá pra ver daqui ó – e apontava pro horizonte.

Um caçador da aldeia vizinha logo respondeu:

– Não vejo problemas em derrubar algumas árvores aqui, outras ali. Tem muita árvore. Nem vai dar pra usar tudo. Foguinho ali jajá acaba – e apontava pro horizonte, com o dedo um pouco mais abaixo do que o do cacique.

– Vejo problema também não. Meus antecessores sempre mudaram a tribo de lugar quando acabava as coisas verdes e tudo virava cinza – disse o cacique.

Nesse exato momento, um adolescente com cara de assustado, filho de alguém, se levantou e disse:

– Aquele fogo que vocês apontaram parece grande. Tá vindo pra cá – e apontou para o fogo, enquanto era silenciado por alguém.

Mas mesmo assim, todos se entreolharam, voltando para a discussão. Começando pelo cacique.

– Pensando bem, dá pra queimar só metade do que tá ai. Pra que queimar tudo? Deixa um pouco pros nossos netos. Vai que eles usam.

O caçador, o mesmo, respondeu:

– Cortar menos árvore e botar menos fogo. Decisão arrojada, cacique. Acho que aprovo. E complementando, mais alguém tá sentindo o calor?

Todos concordaram.

– Mas o fogo tá chegando! Não dá pra ver o final dele! – disse o adolescente assustado.

A maioria dos presentes no evento ameaçaram se levantar, mas lembraram da situação solene em que estavam e voltaram a se sentar.

O cacique, limpando o suor com uma folha seca, continuou:

– Talvez poderíamos queimar metade da floresta e plantar dez porcento? Assim as aldeias ficariam com a sensação de sustentabilidade. O que acham?

O pajé interino da tribo (o anterior veio a falecer de placebo) pediu a palavra:

– É uma ótima ideia. Assim podemos queimar metade dos dez porcento também. Cacique, não é a toa que você é o chefe! Meus parabéns.

Mas finalmente o fogo chegou até a aldeia dos Omisbranqui. Ouvia-se gritos fora da oca do evento. Todos ali estavam em uma reunião importante. Não poderiam sair. Se saíssem não seriam mais aceitos socialmente. Virariam párias. A reunião deveria continuar.

A maioria estava prestes a desmaiar de calor e falta de oxigênio. A oca começou a queimar e nenhum dos presentes sabia a dança da chuva. Desaprenderam tudo quando lhes foi ensinado o dom da faísca.

Surpreendentemente, no meio de tudo aquilo, o cacique como numa grande epifania, num surto de inteligência rara, levanta e grita:

– Pensando bem, sou contra o desmatamento e as queimadas! Sou a favor do meio ambiente! Sem ele, não poderemos viver! Sou genial, não sou?

Todos, emocionados, gritaram em uníssono:

– Nós também concordamos!

E morreram queimados.

Ditadura mental

democracia

Oito da manhã. Acordei. Que dia gostoso, parece. Não abri a janela ainda. Estranho, sinto calor mas é inverno. São Paulo sendo São Paulo.

Meu nome é Amauri. Facinho de decorar. Amo política, redes sociais e cavalos. Não. Não tenho um cavalo. Tomarei café. Rápido. Tenho que ir trabalhar. De ônibus, não de cavalo. Seria bem legal. Cavalo mesmo.

Céu aberto no caminho para o trabalho, pego o celular e vou ler sobre a maravilhosa e estonteante política nacional. Roubos de um lado, loucuras de outro, manchetes sensacionalistas, verdadeiras, mentirosas, fogo, água e sal.

Após ler calmamente tudo que foi postado por todos meus amigos em todas as redes sociais, me preparo para postar também. Mas a minha preparação é diferente. Sou especialista em política. Li muito no Facebook, assisti uns tutoriais no youtube. Li o prefácio de um livro que me recomendaram.

Hoje acho que falarei mal do governo atual, do Bolsonaro. Li aqui que ele chutou homossexuais na nuca. Ouvi dizer também que o antigo presidente, o Lula, chutava pessoas negras com um chinelo de dedo. A discussão em torno desses assuntos é intensa. Melhor me preparar para opinar de forma coerente. Como meus amigos fazem. Que ciclo social especial que tenho. Nasceram todos em 2018. Dá prazer.

Citarei que o presidente maltrata minorias, mas de forma a deixar claro que o antigo presidente também não era muito bom com elas. Mas também não posso esquecer de dizer no texto que apoio negros e homossexuais. E com certeza especificar que dentre esses negros e homossexuais, há mulheres. Ao mesmo tempo tenho que parecer que acho tudo isso frescura. E eu nunca nem pensei nessas coisas. Sabe como é. Até 2017 política era underground. Agora é o papo do momento. Desflopa instagram.

Devo evitar também dizer coisas como: Mito, Lula livre, previdência, pobre, banqueiros, índios, negro, gays, mulheres, homem branco, Venezuela, Estados Unidos, ciência, economia, segurança, bandido bom, bandido ruim, cidadão de bem, cidadão mais ou menos e outras coisas. Evitar certos tópicos, faz com que a discussão suba de nível. Focando só no que a nata intelectual da internet se interessa.

Não posso me esquecer de escolher um lado. Já que todo mundo escolheu um político pra torcer, eu não posso ficar de fora. Sou estudado. Sei que torcer pra político é a coisa certa a se fazer. Tá na constituição. Torcerás para um tiozinho. Mas qual?

O Fascista? O comunista? O ladrão? O loucão? Hm, os dois lados tem qualidades excepcionais. Aliás, todos os políticos brasileiros apresentam personalidades acima da média. Debate presidencial foi algo memorável. Nunca vi tanta inteligência e bom senso em um só lugar. Estamos no caminho certo, desde 1500.

E agora? Se eu não escolher, vão me chamar de isentão. Pessoa sensata. Pessoa com opinião própria. Não posso deixar isso acontecer. Tenho que comprar um pacotinho. Vou ficar sem o que conversar com as pessoas. Que terrível. Melhor perder metade dos amigos virando cheerleader de tiozinho engravatado. Muito melhor!

Opa! O ônibus parou. Subiu uma senhora com a camisa do Lula. Vermelha. Um senhor de bengala levantou e deu uma bengalada nela. Alguém gritou algo terminado em ista lá atrás. Uma laranja saiu voando. Alguém chamou uma tal de Marielle. Vidas negras importam. Gritaria. Bengaladas e laranjadas. Nenhuma vida importa muito nesse coletivo.

Que festa! Que democracia! Que exemplo de país. Orgulho. É esse legado que vou deixar para meu filho. É disso que vou falar nas minhas redes sociais agora. Nesse exato momento vou digitar meu texto. Será épico.

Ponderando calmamente tudo o que posso dizer, sem criar um caos catastrófico, digito finalmente o post perfeito. Ficou assim:

“Bom dia meus amigos, amigas e não-amigos e não-amigas! Venho trazer a minha opinião sobre os fatos políticos da semana. Sei que muita coisa aconteceu, mas nada foi provado ainda. Mas o governo anterior e todos os outros também fizeram. Sendo assim, que se apure tudo. Ou não se apure nada, se a apuração ofender alguém. Mas também que se preocupem com os famintos na África e com as mortes das pessoas pobres nas ruas. Reforma da previdência se for boa (porque não li nada) e reforma da humanidade. Me desculpem pelo texto grande. Paz mundial.”

Por mais genial e amplamente estruturado que esse texto seja, não consegui postar. A velhinha caiu em cima de mim. Mas não quebrou o celular. A bengalada posterior, sim.

Adaboa

a boa

A mata era densa. Tiros por todos os lados. Folhas vermelhas de sangue apodreciam ao redor. Medo. Pavor. Cheiro de morte. Joseph estava, semi-vivo, em no meio da primeira guerra mundial. Treinara para isso desde pequeno.

Não sabia onde estava. Foi levado as pressas para o combate. Seu amigo Paul estava ao seu lado, como sempre. Paul lhe dava munição, água, medicamentos. Mas a água chamava a atenção. Joseph atirava. Matava. Resolvia a guerra para qual lado fosse que estivesse lutando. Sofrimento. Glória.

A tensão aumentava a cada minuto naquela floresta sufocante. Dias, semanas e meses sem fim. Quando Joseph estava a ponto de explodir de loucura, a voz de Paul lhe chega aos ouvidos.

– Joseph, acorda. Já deu o seu tempo.

Estavam no ano de três mil e trinta. Paul tinha acabado de acordar Joseph, que tinha imerso em uma realidade virtual que simularia sua vida completa que culminaria como soldado na primeira guerra mundial.

Joseph se levanta da cama, retira os aparelhos e abraço Paul, como se não o visse há muito tempo. Paul, entendendo como o jogo funcionava, não ligou.

Saíram os dois da casa de Paul, depois de comer e beber algo. A bebida era deliciosa. Iriam assistir algo no cinema flutuante. Mas ao começarem a voar no carro de Joseph, algo os acerta em cheio. O carro começa a balançar e cair. Não conseguiram ver de onde veio o ataque. Iriam morrer. Joseph olha para cara de Paul, lembrando da vida virtual sofrida que teve e tudo fica escuro em segundos.

O despertador tocou. Eram sete da manhã e Joseph tinha que ir para escola. Ser um adolescente com sonhos estranhos custava muito de sua vida social. Ninguém acreditava nele. Mas tinha Paul. Sempre Paul. Seu melhor amigo da escola e do mundo. Mundo.

Joseph se arrumou, tentando esquecer os sonhos estranhos que vinha tendo. Saiu de casa e encontrou seu único amigo, sentado no ponto de ônibus o esperando. Como sempre, com um suco. Dai iriam juntos para a escola. Sem erro.

Naquele dia em especial, aprenderam sobre criogenia. Um processo muito complexo de congelamento. Mas, como sempre, no meio da explicação, Joseph descobriu que nada daquilo era real. Descobriu que tinha acabado de ser descongelado e alucinações faziam parte dos efeitos colaterais. Nem adolescente ele era. Loucura.

Quando finalmente conseguiu enxergar  a realidade, estava no ano de dois mil e cem. Conseguiu ver seu amigo Paul ser descongelado ao seu lado e passar pelo mesmo processo de alucinação. O gelo descongelado de Paul tinha uma coloração diferente. Cheiro forte. Joseph se sentiu em casa. Finalmente.

Foram devidamente tratados por anos. Puderam voltar para a sociedade perfeita que a humanidade alcançou em 2100. Ficaram meio perdidos, mas os cientistas e psicólogos prometeram que em tempo, achariam seu lugar. Era questão de paciência.

Passaram-se anos de uma vida corriqueira. Moraram juntos. Paul cozinhava e servia a mesa. Joseph só comia e resmungava. Mas estavam acostumados. Nada novo sob os quatro sóis artificiais e as cinco luas.

Um certo e comum dia, apesar do corpo de Joseph estar acostumado com toda aquela comida e bebida, ele passou mal e desmaiou na mesa de jantar. Paul ficou desesperado. Tentou chamar a ambulância, mas ninguém atendia. Levantou a cabeça de Joseph caída na mesa e deu alguns tapas na cara do amigo.

José acordou. Era 2019. São Paulo, Zona Leste. Datena na TV do bar.

– Porra Zé. Bebeu muito, acorda homem!

– Que acorda porra nenhuma, serve outra dessa boa ai, Paulão.

Paulão era amigo, mas acima de tudo era dono de bar. Precisava da grana. Respirou fundo e serviu outra daquela boa lá.

Visitantes

cenoura

Finalmente tivemos uma invasão alienígena.

Astrofísicos, entusiastas e condenados a morte, esperavam por esse glorioso momento desde que descobrimos que somos tão insignificantes e inúteis no universo como cravo-da-índia no beijinho de coco.

Enfim. Finalmente tivemos uma invasão alienígena. Em Guarulhos. Gua-ru-lhos. Grande São Paulo. Algum alienígena bancou o engraçadinho com seus camaradas ou o gps intergalático foi feito pela IBM. Nunca saberemos.

Bom, chamar essa visitinha de invasão foi meio pesado. Desculpe. Estava mais para paradinha para abastecer. Precisavam de bolo de cenoura, que usavam de combustível em sua grande nave azul, que o formato lembrava algo verde. Confuso.

Na chegada da nave, os camaradas interplanetários foram recebidos com muito receio. Nunca a humanidade tinha visto nada parecido. O mais perto que chegamos foram as eleições em 2018. Mas sejamos justos, em menos de uma hora depois do pouso, os políticos e jornalistas já estavam tratando o assunto com naturalidade. Já se preparavam para discutir o futuro alienígena no país.

Um pequeno debate em rede nacional. Foi o que aconteceu.

Logo no começo, alguns questionaram os motivos de não termos vigilância na fronteira do planeta. Era um absurdo deixarmos esses caras entrarem. E se procriassem com uma mulher daqui? Teríamos uma nova raça misturada. Alguém chegou a cogitar construir um muro. A ideia foi debatida por horas. A conclusão foi inconclusiva.

Um político sugeriu que pegássemos tudo que os alienígenas tinham de valor em sua nave, vendêssemos e, com o dinheiro, criaríamos o programa “Bolsa Bolo de Cenoura”. Que consiste em dar pedacinhos de bolo de cenoura para cada ET que tiver um filho em nosso planeta. Assim, um dia, poderiam abastecer a nave e ir embora. Se o governo parasse de pegar o bolo de volta em forma de IPVA da nave.

No meio do debate, alguém gritou que “ET bom é ET morto”. Outra pessoa citou a ONU. Pediram pra que se criasse a Organização dos Planetas Unidos. Alguém sugeriu escravidão da nova raça inferior. Era inferior porque era verde. Uma bíblia saiu voando. Alguém esperneava que no Ceará tinha muito ET. Outro sussurrava que em São Paulo o número de mortes de alienígenas era quase zero. A bíblia voltou a voar. Um político banqueiro recebeu ela na cabeça e faleceu. Caos no debate.

Com a ordem semi-restaurada, algum político muito religioso sugeriu que nada aquilo era real. Deus criou o homem e mais nada. Os alienígenas eram uma farsa do governo soviético. Em Guarulhos. Comunistas. Em Guarulhos.

Os jornalistas no debate, ficaram editando memes para postar na internet. As chamadas das reportagens feitas começavam com “O fim da Terra” e terminavam com “O sexo intergalático”. Foto da bunda verde de uma alienígena na capa. Lógico. Movimentos populares apoiaram a ideia da bunda ser verde. Não se pode ter vergonha do corpo. Os mesmos movimentos não gostaram da objetificação da alienígena. Tela azul.

Não demorou muito para nossos visitantes perceberem que a raça humana tinha acabado de descer da árvore. Não deveríamos nem ter saído do mar. Nossa inferioridade intelectual era tão abissal,  que eles conseguiriam nos dominar apenas com uma nave sem combustível.

E fizeram.

Hoje, depois de dez anos do ocorrido, escrevo esse texto para vocês de dentro da prisão humana no sul do Sudão. Tenho que terminar rapidamente de digitar, porque em breve vem a janta. Estou com fome. Hoje tem diesel com aditivada. Delícia. Amanhã, escravizados, vamos fazer mais bolo de laranja pra abastecer todas as naves que trouxeram. Uma bíblia passou voando. Foi vaporizada pelo raio de segurança.

Glória a Marte.

Gasosão

jupiter

Hélio é um cara normal, mesmo sabendo de sua linhagem. Vivia uma vida tranquila e recatada, pesava 4u e morava em uma província do interior de Heliópole, um país localizado ao sul (dependendo do ponto de vista) de Júpiter. Realmente nada de anormal com o rapaz. Cotidianíssimo.

Toda manhã ele agradecia ao Hydro-Gênio, todo-poderoso e onipresente, por não morar no país vizinho, Metanópoles. Sua família era bem estabelecida e não pensava jamais em evaporar dali.

Então hoje, como em toda manhã depois de rezar, Hélio absorveu seu neônio matinal, sempre fresquinho e preparado por sua mulher, e saiu para seu honrado trabalho de tripulante de balões e dirigíveis. Ele, e muitos outros, faziam a máquina industrial de Júpiter rodar sem interrupções. Verdadeiros heróis mundiais.

Quando Hélio estava no ponto, esperando seu cilindro passar, ficou imaginando como se sentiria quando fosse promovido na empresa. Deixaria o setor comum e começaria a circular nos setores VIG. Era um sonho que estava muito perto. Mas sabia que tinha que trabalhar nem duro nem mole pra isso.

Sempre que viajava no transporte público, Hélio ouvia reclamações dos outros sobre as condições dos cilindros e da frequência com que passam. Mas era raro ouvir alguém reclamar da pior coisa que podia acontecer ali dentro: Um peido.

Os habitantes de Júpiter tinham esse tabu, já que soltar um peidinho acarretava em mais do que constrangimento. Fazia com que todo mundo ao redor sofresse com a visão de um humano saindo de dentro do companheiro. E um humano saindo de alguém dentro de um cilindro, fazia com que o transporte quebrasse no meio do caminho e a viagem fosse interrompida. A sorte é que o corpo humano, ao sentir a gravidade do planeta, já sumia em poucos segundos.

Mas aquela viagem de cilindro foi satisfatória. Nenhum humano saiu de ninguém e Hélio chegou ao seu trabalho normalmente. Cumprimentou as pessoas que ia encontrando e foi apresentar seu RG e CPG na portaria, procedimento padrão da empresa.

A manhã de trabalho foi tranquila e corriqueira, já que em Júpiter ela dura quase três vezes menos. Mas teve muitos olhares invejosos por aqui e por acolá, já que a nobreza nem sempre é bem vista em um sistema capitalista e participando do proletariado. Todos achavam que Hélio subiria nas escalas hierárquicas sem precisar se esforçar muito, devido à sua classe. Já que seus parentes estão em todo lugar. Mas ele, covalentemente, não ligava pra isso.

No intervalo do trabalho, ele gostava de assistir esportes em Júpiter. Nenhum deles era possível ser praticado, mas o pessoal tentava bastante. Tentavam até que alguém soltava um peidinho e um humano aparecia em rede mundial sendo esmagado pela pressão. Ai os patrocínios de tv já cortavam a verba e o esporte era abolido.

Ou então os esportes que utilizavam bola, tinham que ser praticados em menos de um segundo. Devido ao esfarelamento imediato do objeto ao ser construído. Pensaram até em praticar esportes na Europa, mas havia boatos de alienígenas interessados nela. Medo.

Mas no final do dia, como sempre fazia, Hélio subia no último andar da empresa e respirava fundo, contemplando a vista do alto de seu país. Mas dessa vez ele sem querer inspirou para dentro de si o seu  Deus todo-poderoso: O Hydro-Gênio.

Qualquer mero mortal com a inspiração divina dentro de si, mudaria de patamar. Veria coisas que nenhum outro ser jamais viu. Agradeceria o plano mortal e subiria para uma existência superior. Lógico.

Mas Hélio é nobre e não participa dessas coisinhas. Deixou Deus ir embora.

Invi Zíver – Política

main@2x

Adivinha quem está aqui? Sou eu! Ou não. Posso estar mentindo. Mas posso falar a verdade também. Você decide se vai acreditar. Invi Zíver é o meu nome. Ao menos eu ainda acho que é. E tenho muitas histórias contadas. Essa é uma delas. Leia as anteriores se possível. Boas histórias.

Sou um ninja aposentado pelo INSS. Sim, acredite. Mas como esse salário que ganho de aposentado que não paga a comida do gato do governador, tive que voltar a ativa. Aluguei um escritório na Praça da Sé. O local vai mal. Mas foi tombado como patrimônio histórico. Em breve vai ser tombado pelo vento.

Eu estava acariciando as paredes do prédio onde meu escritório fica, para ver se elas durariam mais se fossem tratadas com respeito. Tenho conhecimento de engenharia. Li no jornal que ela existe. Mas naquele exato momento, Adelaide, que é a faxineira do local, me chama da janela. Não ouvi direito. Aparentemente uma cliente. Na minha sala. Algo não está certo. O ar quase sempre está lá. Clientes, nem tanto.

Depois de subir as escadas com velocidade, cheguei ao meu escritório. A cliente estava deitada no chão. Morta? Não. Estava dormindo. Fiquei meio bravo pela falta de decoro. Afinal, só demorei duas horas para subir os dois lances de escada. Foi quase meu recorde. Eu estava arfante.

Lavei o rosto para tentar me livrar da cara cansada. Me sugeriram uma plástica. Tive que pedir água emprestada para a Adelaide. Utilizei o balde de limpeza dela. Balde de limpeza deve ser limpo. Mesmo com aquele cheiro estranho. Sou prático e higiênico. Anote isso.

Recuperei o fôlego, acordei-a e ela se colocou de pé. Falar que ela se levantou seria de um eufemismo extremo. Era uma mulher que não se levantava. Ela soerguia-se imponentemente mirando o azul celestial. Era mais alta do que eu. O que não era difícil. Fazia muito tempo que meu pico de altura havia passado. Agora é tudo pra baixo. Menos o prédio. Desse eu cuido com carinho. Nunca irá cair. Engenharia. Sou engenhoso.

 Mas quando ela falou, meu mundo desabou. Menos o prédio.

– Você é o ninja especial do qual ouvi falar? – Disse ela, entre dentes. Sibilando na minha mente. Ou era algo parecido. Não sei o que significa sibilar. Ou mente.

– Sim, sou o próprio. Sou especial como o ar. Saio voando e sou invisível. –  Respondi deixando no ar a última parte. Acho que fui muito bem. Ela parece ter amado meu tom de voz mordaz. Aquela água do balde estava com uma textura estranha.

– Vim diretamente de Brasília. Sou de uma organização secreta. Temos um plano e precisamos de você. – Ela disse isso com as pernas em volta do meu pescoço. Mas essa parte eu acho que não aconteceu.

Depois de alguma conversa, deixei claro que era perito na arte de ser ninja. E ela acreditou. Mostrei meu pagamento do INSS. Ela se espantou e constatou que só um ninja viveria assim. Me contratou. Sempre dá certo. Fingir ser pobre sempre dá certo. Ainda mais quando é verdade.

Resumindo: Ela era de uma organização chamada “Os nove dedos”. Minha missão era procurar e matar o presidente atual do Brasil. Michel Temer. Deixou claro que a organização poderia me fornecer armas e vento estocado. Recusei. Tenho minhas próprias armas. Juro pela firmeza desse apartamento. Quando jurei dei um tapinha na parede. Caiu um pouco de cimento no chão. Adelaide ficou com cara feia. Achei melhor sair antes que me jogue mais daquela água.

Logo que sai, coloquei minha roupa nova de ninja. Comprei uma. Parei de pagar o aluguel em Itaquera e agora durmo no escritório. Tive que vender todos os móveis para pagar o atraso. Mas não me é estranho dormir no chão. Não sinto nada. As dores já se cansaram de mim.

Ao pegar o avião para Brasília, percebi pessoas olhando de soslaio para mim. Com certeza não era pelo fato de eu estar vestido de ninja em um avião comercial. Com certeza eram assassinos bem treinados querendo me matar. Sou inteligente. Sei dessa coisas. Sou ninja desde que seu avô batia bafo. Por isso fiz o mais prudente. Sai do avião e peguei um ônibus. No ônibus ainda estavam me olhando. Mas eu poderia saltar da janela, ao menos. Na faculdade de engenharia não ensinam isso. Anote. Tenho caneta.

Depois de alguns dias de viagem, cheguei na capital brasileira. Fui até o Palácio do Planalto. Era quarta-feira. Me disseram que o presidente não trabalhava nesse dia. Claro. A pessoa mais importante do país não precisa trabalhar de quarta-feira. Que homem das cavernas sou eu. Anotei.

Perguntei em todas as esquinas e ninguém tinha visto o Temer. Era como se tivesse sumido. Encontrei alguns dos associados da “Os 9 dedos” e eles também não sabiam. Fui até a casa do presidente. Algumas pessoas na entrada estavam gritando “Fora Temer” com cartazes e faixas. Perguntei para o mordomo onde ele estava. Ele me disse que ele estava fora. Fora do país. De viagem em Cancún. Fiquei desolado. Não tinha ônibus para Cancún na rodoviária. Pelo visto Cancún não é no Brasil.

Minutos depois, um mensageiro de São Paulo chegou esbaforido e me entregou uma carta. Sim, a carta chegou exatamente nesse momento. Era da Adelaide. Me contando toda a verdade da situação.

A água na qual eu lavei o rosto, era veneno de rato especial para matar elefantes. A mulher que estava no chão do escritório era um cadáver que foi encontrado ali na madrugada. Provavelmente uma usuária de drogas. Depois que o veneno entrou no meu corpo, eu imaginei todo o resto. Nada daquilo era real. Nem a cliente, nem o caso. Eu viajei a toa para Brasília.

Voltei para São Paulo o mais rápido que pude. De ônibus. Cheguei no escritório e vi Adelaide limpando o chão, com a cara séria ao me ver, mas os olhos dançando de alegria. Só ignorei. Sou desses. Orgulhoso.

Tive que vender a mesa e o telefone quebrado para pagar a viagem. Meu escritório ficou literalmente  vazio. Vendi todo o vento de dentro para estocarem. Pedi mais um pouco do veneno de rato especial para a Adelaide. Tomei um banho de balde. Comecei a imaginar coisas. Um telefone que funciona. Uma Mesa. Cadeira. Clientes. Um luxo.

É disso que estou falando!

 

Clubinho

clubinho.png

Vilma chegou no clubinho e recebeu um olá de todos. Sentou-se ao lado do Laércio. As conversas de hoje iriam começar.

Todos os dias, a garotada ia brincar de ser adulto na casa abandonada da rua de trás. Fundaram um clube, um clubinho, para conversarem, jogarem e plantarem qualquer coisa no quintal desarrumado daquela casa, há tanto tempo abandonada.

Mas naquele dia em especial, nada disso seria feito. Iriam eleger o líder. A criança que seria eleita para comandar os outros sete. Eleição que não teria porque acontecer, já que tudo ocorria as mil maravilhas. Mas ontem o Lucas brigou com a Helen por causa de uma florzinha que brotou no chão quebrado da casa. Então uma liderança era necessária. Urgente.

Os dois que se candidataram foram Vilma e Laércio. Na verdade, outros se candidataram, mas como não eram populares, foram esquecidos rapidamente.

No meio da conversa, Vilma disse que, se eleita líder do clubinho, deixaria as flores e os feijões plantados, para todo mundo. Qualquer um poderia pegar a hora que quisesse.

Já Laércio não concordava com isso. Para ele, as flores e os feijões deveriam ir para quem merecesse ganhar. Merecimento esse que ele mal sabia explicar como funcionaria.

Os outros candidatos, que tinham ideias diferentes, tiveram cinco segundos para falar, mas nenhum conseguiu terminar o próprio nome a tempo. Em suma, todos ficaram quietinhos ouvindo. Não tinham como competir com os dois mais populares da rua. Laércio filho de pais ricos, sempre bem vestido e educado. Vilma sempre amigável e defensora de todos.

Renatinho, um dos que não havia dito nada, se levantou e começou a falar o que faria se fosse o líder. Mas logo foi silenciado por todos, por estar se metendo onde não se deve. Ou ele pensava de um jeito, ou de outro. Que absurdo Renatinho! Ter uma terceira ideia! Que absurdo!

Em pouco tempo de conversa, as oito crianças se dividiram em dois grupos. Três ao lado de Vilma e três ao lado do Laércio. E não tardou para as brigas começarem. Insultos, palavras feias e fim de amizades. O clubinho estava rachado. Vilma e Laércio não deram o braço a torcer. Levaram seus eleitores para o próprio quintal de suas respectivas casas.

No quintal da casa da Vilma, eles traçavam planos infalíveis para derrubar Laércio e amigos. Já no quintal de Laércio, faziam exatamente o mesmo. Planos e mais planos para derrubarem Vilma e sua trupe.

Renatinho, que estava na casa de Vilma, tentou levantar o fato de que, com toda essa discussão, o clubinho já não existia mais. Então, não teria sentido brigar. Mas foi silenciado pelo restante e tratado como idiota.

Ninguém na verdade, sabia que Vilma e Laércio se encontravam no clubinho secretamente, depois da dissolução do clube, para colher as flores e plantar feijões. Só os dois. Ambos riam e se divertiam, com tudo somente para eles. Mas voltavam a fingir a briga, na frente dos outros, para manter a aparência e o clubinho só pra eles.

As crianças nunca mais se reuniram. Nem na adolescência, nem na vida adulta. Separados em dois grupos, sem conversa, sem amizades, sem feijões e nem flores.

É.

A nossa grande sorte, é que esse tipo de coisa sem nexo só acontece com as crianças.