Astolfo, o ET curioso – Pandemia

Pandemia Astolfo

Olha só. Estava eu, de máscara, indo comprar comida, quando uma nave espacial pousa na minha frente. Exatamente 2 metros a frente. De lá saiu alguém, com máscara e álcool gel na mão. Respeitando o distanciamento social.

Olhei desconfiado, mas logo reconheci. Aquelas antenas e aquela cor verde, não poderiam ser de outra pessoa. Era o Astolfo, o ET curioso que sempre vem tirar dúvidas comigo sobre o comportamento humano. Ele me escolheu, por algum motivo que até hoje, não entendi. Bom pra mim. Tem história pra vocês.

Mandei um “oi” de longe e o chamei para ir pra casa, sempre com aquele distanciamento um do outro.

Ele me disse que assim que soube da Pandemia na Terra, veio correndo para saber se estava tudo bem. Ficou legitimamente preocupado com todos nós. Estudou muito sobre o que acontecia, por isso chegou todo preparado.

– Estamos indo. Vamos sobreviver. Eu acho – respondi.

Mas ele também disse que, muitos anos trás, o planeta dele também passou por algo parecido. Mas resolveu em três meses, com o cientista mais inteligente do planeta coordenando. Era o primo dele, por sinal.

– Posso dar algumas dicas para os humanos – ele disse, esperançoso.

– Mas não acho que vão querer te ouvir – respondi.

Isso deixou Astolfo peculiarmente curioso.

– Mas eu tenho experiência interplanetária no assunto. Porque não me ouviriam?

– Então, por aqui, tem gente que não dá ouvidos aos especialistas da área médica.

Astolfo me olhou curioso. Já preparei uma limonada para ele, porque eu sabia que era a única coisa que o acalmava.

Mas ele disse:

– Agora para me acalmar, só bolinho de abóbora.

Pedi para entregarem. Eu precisava ter alguns bolinhos de garantia, porque o papo ia ficar tenso. Com certeza.

– Mas qual o motivo de não darem ouvidos para quem é da área médica em uma pandemia? – perguntou enquanto saboreava o bolinho lentamente.

– Bom, acredito que seja por razões políticas – respondi.

Astolfo ficou pensativo, tentando entender a minha última resposta. Mas depois de ponderar por longos um segundo, falou:

– O seu povo mistura um caso de saúde mundial com política?

– Bom, alguns líderes políticos chamaram a pandemia de gripezinha em rede nacional. Fizeram campanha para o país não entrar em quarentena.

Ele mastigou o bolinho que tinha em mãos com mais ferocidade. As anteninhas dele se trançaram. Mas continuei.

– Os mesmos políticos, quando a pandemia começou a matar mais pessoas, pegaram um medicamento sem os testes necessários e falaram pra população tomar. Em rede nacional.

– Mas

– por que? – disse ele, em duas linhas, como de costume. Perplexo.

– Talvez pra jogar a culpa da posterior queda econômica em outras pessoas, e fingir que não tem nada a ver com isso. Sabe como é.

– Não,

–  não sei como é – estava ficando vermelho.

– Reeleição. Eles tem medo de que, quando economia sofrer um baque, não seriam reeleitos nas próximas eleições.

– Não seria mais inteligente salvar vidas, se importar com o bem estar e saúde das pessoas?  Não geraria mais simpatia e, consequentemente, mais votos?

– Suas quatro primeiras palavras anularam seu argumento – respondi, triste.

Continuei a explicar:

– Tem até empresário falando que, a morte de milhares de velhinhos, é um preço a se pagar para ficarmos bem economicamente.

Senti um bolinho grudando no meu teto. Vou ter que limpar. Astolfo estava espumando e tremendo, tive que amarrar o pé dele na mesa.

– E os políticos que se opõem a esses daí? O que falam?

– Ah, alguns roubaram bilhões da saúde no passado. Outros falam o que o povo quer ouvir para se reelegerem também. Não dá pra confiar, sabe?

– Não sei não. Vocês não podem confiar nas pessoas em que votam e que representam vocês nessa tal democracia?

– É o que parece.

– Então qual o sentido de todo esse sistema?

– Ninguém sabe, mas somos muito burros pra criar outro que funcione.

– Mas esse não funciona! Seu povo é bárbaro! Como sobreviveram até hoje?

– Ao ver por essa pandemia, só faltou o vírus certo.

Astolfo parecia exausto. Tremia de loucura. Enfiei mais três bolinhos pela goela dele. Melhorou um pouco. Se sentou, com dificuldade. Perguntou:

– Mas ao menos a maioria da população ouve a ciência e está se isolando, correto?

Contei pra ele, que grande parte estava de acordo com os políticos que negavam a ciência. Que saíram pra rua para fazer manifestação e memes com caixões. Que o presidente abraçava e apertava as mãos de pessoas na rua. Que políticos grandes compartilhavam gráficos simples na internet e não sabiam interpretar. Gráficos de quinta série. Que algumas pessoas chamavam a organização mundial de saúde de comunista e que planejava dominar o mundo.

Falei, por fim, que uma parte do povo não dava ouvidos para um biólogo com mestrado em virologia. Mas sim, davam ouvidos para um capitão do exército e um astrólogo.

Astolfo teve um treco. Pensei em levar ele para o hospital, mas não tinha leito de UTI sobrando. Não valeria a pena tentar. Coloquei ele na nave dele e apertei o botão de decolagem.

Encostei nele para coloca-lo na nave.

Se ele sobreviver, não acho que volte com a cura.

Astolfo, o ET curioso – Presidente

Astolfo o ET curioso

Bem. Então. Usualmente, como toda quinta feira, eu estava jogando um baralho com alguns amigos. Os de sempre. Sabe como é. Buraco vai, truco vem e bum! Um clarão aparece acima de nós e alguém pousa bem ao meu lado em sua nave. Para espanto da galera.

Era definitivamente ele. Astolfo, o meu querido amigo do planeta Roxo. Sim, ele me disse que o nome do planeta é mesmo Roxo. E a cor majoritária por lá é verde. Menos os animais, que vestem rosa.

Fiquei surpreso, já que há mais de nove anos não recebia a visita dele. A última vez deixei ele confuso. Vou tentar ser mais educativo dessa vez. Prometo.

Digo isso porque o Astolfo vem pra cá estudar nossa gente. Ele tem um interesse especial pela Terra. Curte um churrasquinho grego com limonada. E é o que estava comendo quando saiu da nave. Parecia animado.

– Olá Bruno! Quanto tempo! – disse ele logo ao pisar no nosso planeta, ligando o tradutor automático.

– Olá Astolfo, que saudades! – respondi amigavelmente.

– Oh, sim! Saudades. Você me explicou da última vez. Coisinha difícil.

– Não posso negar.

– Mas o que te traz a esse cantinho do universo dessa vez? – perguntei logo em seguida.

– Vim estudar essa coisa chamada “presidente” da Terra – e ele realmente fez o sinal de aspas ao redor de grande cabeça com os dedos verdes.

– Por que? Vocês não tem presidentes por lá no Roxo?

– Não. Lá não temos esse tipo hierarquia em nossa sociedade, mas vivemos muito bem. Criminalidade nunca subiu de zero porcento. Maior taxa de educação da galáxia. Também vivemos mais de trezentos anos sem stress. E comemos glúten.

– E você quer saber o que fazem os presidentes por aqui? É isso?

– Fiquei sabendo que existiam e queria saber como vocês escolhem eles. É o mais forte do país?

– Já passamos dessa época, Astolfo. Não nos subestime tanto – eu disse, quase rindo.

– Então vocês elegem o mais inteligente?

– Er, também não.

– Alguém com muito conhecimento em administração? Gestão de pessoas? Economia e desenvolvimento social?

– Hm, não.

– Então, como? Me explique, estou curioso – Astolfo disse isso tentando imitar uma cara humana curiosa, mas um de seus olhos caiu na mesa ao lado enquanto tentava. Nada grave, acontece bastante. Recolocou.

– Bom, a população costuma decidir o presidente na maioria dos países. Mas dificilmente eles tem umas dessas qualidades que você citou acima.

– Mas como assim? Por que a população não coloca a melhor pessoa do país para governar? É simples! – Astolfo subiu um pouco a voz nessa frase, parecia incomodado.

– É que normalmente as pessoas mal conhecem os candidatos a presidência.

– O

– que? – Sim, ele disse em duas linhas. No planeta dele, falar assim significa perplexidade.

– A grande maioria dos seres humanos se importam pouco com política e entendem menos ainda. Então acabam votando no mais simpático. No que tem mais tempo de televisão e faz mais propaganda.

Ao ouvir isso, Astolfo chutou a mesa do bar. Suas antenas se contorceram e formaram um nó de marinheiro (Lais de guia) perfeito. Um marinheiro que estava por ali bêbado, tirou uma foto.

Tentei acalma-lo por cinco minutos. Tive que comprar uma limonada para fazê-lo sentar e me ouvir. Mas ele logo que sentou já continuou a perguntar.

– E esses simpáticos que foram eleitos, ficam a vida inteira aprendendo e evoluindo no cargo, fazendo um país melhor?

– Não. Eles ficam só quatro anos. Mal conseguem fazer muita coisa.

Outro ataque de raiva. Limonada. Cadeira. Pergunta.

– E as pessoas, depois dos quatro anos, elegem o mesmo ou alguém que pensa parecido, correto? Para dar continuidade ao trabalho.

– Não. Normalmente a tendência é sempre da oposição ganhar em algum momento e o trabalho começa do zero.

Eu percebi que as antenas do Astolfo começaram a ferver. Estava saindo fumaça da cabeça enorme do meu amigo. Tentei acalmar meu personal ET, falando pra ele que existem coisas piores pelo mundo.

– Piores do que essa tal democracia que vocês inventaram? Com os presidentes simpáticos?

– Sim. Tem lugar que uma pessoa manda no país inteiro, fica rico e deixa o país na miséria. Manda matar, manda prender e se intitula Deus. Até mente que controla o tempo e faz o sol nascer. Tem lugar que mulher não pode mostrar o rosto na rua. Tem lugar que se mata por religião com consenso do governo, Et cetera.

– Ao menos por aqui os presidentes simpáticos não são idiotas assim. Correto?

Bom, como vocês sabem, sou uma pessoa muito honesta. Fiquei com pena de ocultar informação de um amigo tão especial. Contei pra ele que já tivemos um presidente de saco roxo que nos roubou, um analfabeto bêbado, uma estocadora de vento e um cara que pergunta sobre golden shower na internet.

– O que é golden shower? – foi a última pergunta dele.

Constrangido, expliquei.

Ele começou a gritar em sua língua natal, quebrando todos os copos ao redor, desligou o tradutor e entrou em sua nave, muito mais vermelho do que verde. Olhou pra mim com pena, me deu um tchau nervoso e sumiu nos céus a toda velocidade.

Falando sério, não acho que estamos muito seguros.